Falar de amor
Mas, por que falar de amor? Qualquer frase de amor que se bote no título atrai curiosos, mesmo que o bojo da idéia seja uma porcaria.
O amor é um mistério tão grande que todo mundo quer saber as soluções alheias, por que talvez assim achem uma solução para as próprias dúvidas.
Eu sou uma criatura cética em relação a palavra amor - o T-Rex acorda e se senta no meu ombro, declarando que acordou para ouvir que espécie de asneiras vou dizer em relação a isso - que se generaliza em camisetas, lameiras de caminhão, cadernos adolescentes, igrejas várias e bocas, tantas, que a proferem do modo mais irresponsável, como fossem balas disparadas de uma metralhadora giratória desgovernada, acionada pelas mãos de algum fanático religioso da AlQaeda, que mata na crença de estar atendendo a vontade de Deus. Os que dizem "eu te amo" dessa forma irresponsável são terroristas, que matam por acreditar piamente no que estão dizendo e o que é pior, no que lhe falaram, no que pregaram como verdade absoluta e irrepreensível.
E a "pregação" do apaixone-se é realmente forte.
É mais ou menos assim, desde a pré-adolescencia:
- Seja lindo, seja perfeito, apaixone-se aos quinze, para casar aos vinte e cinco, prenda a seu lado corações apaixonados e cativos, por mais de cinquenta anos. Diga e ouça "eu te amo" várias vezes por dia. Seja maravilhoso, seja demais, seja irresistível, seja isento de defeitos. Se não for assim, exatamente assim, você é um fracassado, um fracassado total.
E ai, começa a corrida desgovernada para obter-se um amor, dizer "eu te amo", ouvir "eu te amo", mesmo sem sentir, numa questão explícita de quantidade e não de qualidade.
Conheço homens e mulheres que para ouvir (na maioria dos casos dos homens) e, sobretudo, ter o direito de dizer (na maioria dos casos das mulheres) essa frase minúscula submetem-se às piores humilhações, aos procedimentos mais dolorosos, tanto fisicamente quanto afetivamente.
E para quem estranhou minha afirmativa do parágrafo anterior, já reparei que sim: os homens querem mais ouvir e as mulheres querem mais dizer "eu te amo". Mesmo que seja mentira, mesmo que seja uma mentira explícita e facilmente reconhecível. É mais fácil mentir. Por que é fácil dizer e ouvir, difícil é sentir e admitir que não se sente.
Admitir que esse amor que aparece nos filmes e nas novelas é uma coisa enfeitada como uma árvore de natal, que a gente arma uma vez por ano e depois tem que desmanchar é extremamente doloroso. Herbert Viana já disse: " a vida não é filme, você não entendeu, ninguém foi ao seu quarto quando escureceu" (nem o Conde Drácula, pode ir guardando o alho).
Os únicos beneficiários dessa esperança eterna de um amor tal como mostrados nos romances populares, daqueles que quando você lê um já leu todos - invariavelmente tem cena de encontro, abandono, sexo selvagem, declaração de amor eterno, casamento - são os artistas que escrevem e cantam/publicam/encenam a arte voltada para isso, para consolar corações em busca de uma paixão perfeita.
Pra mim, amor como se prega, não existe. E olhe que eu sou casada a vinte e um anos.
Acredito no amor que se constrói sozinho, brigando pra viver sem a ajuda da insistência, sem os lances de suicídio, sem a perseguição, sem a esperança de posse eterna da criatura, sem o lance do ciúme doentio.
Amor só é amor se não for procurado, se chegar chegando, se tiver a capacidade de um "trasformer" e se modificar conforme a necessidade, se estiver junto na dor sem hesitação. Se fugir do público e se tornar em privado, se der direitos e não tomar mais do que uma grama de espaço, se não inviabilizar, se não excluir, se não incapacitar, se não fizer sofrer pela presença e sim pela ausência - quando se sofre mais quando a pessoa está de que quando não está, tem uma coisa errada, por menos que se queira admitir - se provocar saudade do tipo fino, incisivo e discreto. Ai pode ser que haja um amor concreto, ou uma amizade muito especial.
Também há os que confundam amor com sexo. Dizem que sexo só é bom com amor, e eu hoje em dia sei que é muito melhor se há entre os parceiros cumplicidade e entendimento fora do âmbito do quarto. Bem, eu sinto muito, mas eu fiz sexo bom sem amor nem me lembro quantas vezes e, graças a Deus, me esqueci da maioria dos meus parceiros de tesão, por que não tinham mesmo importância alguma ou não valiam a pena enquanto pessoa. E os meus parceiros de tesão que valeram a pena, por quem desenvolvi um amor cheio de respeito, ainda hoje tenho contato com eles dois, por que o fogo doido que nos levou à cama apagou-se, mas a amizade que foi cozida nesse fogo permanece até hoje, graças ao amor do mesmo Deus que me ensinou a amar sem escravizar.
Quando as pessoas pararem de acreditar que troca de fluidos físicos é amor, as coisas melhoram. Até por que, vejamos o exemplo dos gatos: os gatos fazem amor ruidosamente, mas não fingem que se amam; e fora a perseguição sexual, a gata não finge para si mesma que ama o gato.
Os gatos são independentes, mas os humanos não são. A natureza é sábia, mas o homem não é.
Quando for dizer "eu te amo" ou escrever poesia ruim sobre isso, pense duas vezes, três, e compreenda que é um perigo, por que o outro - imagina se for um psicopata? - pode acreditar.
O T-Rex afirma que estou cada vez pior, mais incoerente e que agora dei para escrever coisas que ninguém precisa ouvir, por que a ignorância é a medida da felicidade.
- Vai-te lascar dinossauro!