ACERCA DO TEMPO! (Meus Mestres Indígenas I)
Inesquecível lição acerca do tempo... Recordo-me como se hoje fora! Eu retornara poucas horas antes do único hospital que existia então na cidade de Dourados, no Estado de Mato Grosso. Era um dos dias iniciais da primavera, dos idos anos de 1975. Trazia nos braços “pingo de ouro”, meu primeiro filho que havia nascido dois dias antes... Era lindo, rechonchudo e vestia uma roupinha amarela. Na pequena varanda de minha casa – feita de madeira – na aldeia onde eu morava, várias índias Guarani, Terena e Kaiowá estavam a minha espera... Cada qual trazia uma candura, um mimo, um sorriso, um abraço...Algumas presentearam-me com milho “saboró” pilado, feito em quirela, para que eu, alimentando-me do caldo com ele preparado, produzisse muito leite materno! Não, não se tratava de qualquer milho...
Segundo os ensinamentos indígenas, foi Nãnderu, uma entidade divina, que tinha destinado a eles essa variedade macia, saborosa... para ser um de seus principais, quando não o principal, alimento...
Nas páginas passadas de minha vida, um tanto já amarelas pelo tempo... lembro-me de Bina. Ela era uma índia Guarani cujo companheiro havia morrido em acidente de trabalho na cidade deixando-lhe como herança três filhos e uma velha mãe para alimentar...
Eu estava grávida e ela, tuberculosa, não tinha como se empregar na cidade. Sua tosse era muito intensa e todos sabiam, naquele lugar pequeno, de sua situação. Pediu-me para trabalhar em minha casa! Sem pensar duas vezes, diante de seu drama, disse sim! Os meses se passaram e naquele dia lá também estava ela na varanda, a me esperar. Era doce, afetiva, uns trinta e dois anos. No impulso do afeto se esquecera da recomendação médica de se manter distante do bebe quando nascesse. Tomou-o para si e abraçou-o com ternura maternal! Depois se lembrou, aflita, do conselho médico! Nada me restava fazer diante de sua aflição. Dei-lhe um sorriso e disse: Nãnderu há de ser justo!
Naquele desfilar de pessoas ele, o Jacaré, meu poderoso amigo, fincou-se, qual um esteio de aroeira, à minha frente! Jacaré era um índio Kadiwéu que, segundo o que se falava, era um feiticeiro-curandeiro, que em dias de lua cheia transfigurava-se em lobisomem! Era alto, tinha pouco cabelo e sua testa larga era um pouco afundada do lado esquerdo. Um tipo incomum... tinha no seu quintal uns pés de figo que frutificavam generosamente... Queria fazer doce, me declarara, mas nunca tinha dinheiro para o açúcar. Lá ia eu com esse produto embaixo do braço para, mais do que fazer doce, passar horas a fio, deliciosas horas, na companhia daquele homem ímpar! Espetacular! Jacaré – que eu chamava carinhosamente de vô – lá estava a nos abençoar, a mim e ao meu lindo rebento, com o seu intrigante olhar... Como não poderia deixar de ser, deu-me uma lição inesquecível. Ele não falou quase nada, mas disse muito.
- Minha filha, agora você ficou velha!
- Mas como, meu avô? Assim depressa!?
- Sim, porque agora o tempo vai passar na vida de seu filho! E você vai poder vê-lo!
O tempo é sentido de forma culturalmente marcada!
Inesquecível lição acerca do tempo... Recordo-me como se hoje fora! Eu retornara poucas horas antes do único hospital que existia então na cidade de Dourados, no Estado de Mato Grosso. Era um dos dias iniciais da primavera, dos idos anos de 1975. Trazia nos braços “pingo de ouro”, meu primeiro filho que havia nascido dois dias antes... Era lindo, rechonchudo e vestia uma roupinha amarela. Na pequena varanda de minha casa – feita de madeira – na aldeia onde eu morava, várias índias Guarani, Terena e Kaiowá estavam a minha espera... Cada qual trazia uma candura, um mimo, um sorriso, um abraço...Algumas presentearam-me com milho “saboró” pilado, feito em quirela, para que eu, alimentando-me do caldo com ele preparado, produzisse muito leite materno! Não, não se tratava de qualquer milho...
Segundo os ensinamentos indígenas, foi Nãnderu, uma entidade divina, que tinha destinado a eles essa variedade macia, saborosa... para ser um de seus principais, quando não o principal, alimento...
Nas páginas passadas de minha vida, um tanto já amarelas pelo tempo... lembro-me de Bina. Ela era uma índia Guarani cujo companheiro havia morrido em acidente de trabalho na cidade deixando-lhe como herança três filhos e uma velha mãe para alimentar...
Eu estava grávida e ela, tuberculosa, não tinha como se empregar na cidade. Sua tosse era muito intensa e todos sabiam, naquele lugar pequeno, de sua situação. Pediu-me para trabalhar em minha casa! Sem pensar duas vezes, diante de seu drama, disse sim! Os meses se passaram e naquele dia lá também estava ela na varanda, a me esperar. Era doce, afetiva, uns trinta e dois anos. No impulso do afeto se esquecera da recomendação médica de se manter distante do bebe quando nascesse. Tomou-o para si e abraçou-o com ternura maternal! Depois se lembrou, aflita, do conselho médico! Nada me restava fazer diante de sua aflição. Dei-lhe um sorriso e disse: Nãnderu há de ser justo!
Naquele desfilar de pessoas ele, o Jacaré, meu poderoso amigo, fincou-se, qual um esteio de aroeira, à minha frente! Jacaré era um índio Kadiwéu que, segundo o que se falava, era um feiticeiro-curandeiro, que em dias de lua cheia transfigurava-se em lobisomem! Era alto, tinha pouco cabelo e sua testa larga era um pouco afundada do lado esquerdo. Um tipo incomum... tinha no seu quintal uns pés de figo que frutificavam generosamente... Queria fazer doce, me declarara, mas nunca tinha dinheiro para o açúcar. Lá ia eu com esse produto embaixo do braço para, mais do que fazer doce, passar horas a fio, deliciosas horas, na companhia daquele homem ímpar! Espetacular! Jacaré – que eu chamava carinhosamente de vô – lá estava a nos abençoar, a mim e ao meu lindo rebento, com o seu intrigante olhar... Como não poderia deixar de ser, deu-me uma lição inesquecível. Ele não falou quase nada, mas disse muito.
- Minha filha, agora você ficou velha!
- Mas como, meu avô? Assim depressa!?
- Sim, porque agora o tempo vai passar na vida de seu filho! E você vai poder vê-lo!
O tempo é sentido de forma culturalmente marcada!