ANÁLISE DE CANTADAS 4 (“Quando estiver esperando um ônibus no ponto, diga: / – E aí, mina! Ta no ponto?!”)
“Ponto” é a palavra-chave desse enunciado, pois é nele que se cruzam os vários sentidos (polissemia).
Neste enunciado, duas dimensões de polarizam. Na primeira, temos o sentido superficial, obvio, reclamado inclusive pelo contexto. O receptor da mensagem, ao ser abordado, tenta estabelecer a coerência da proposição com o contexto. Este, em princípio, sugere o obvio: ou seja, tratar-se a palavra “ponto” de, segundo o Novo Aurélio, “ponto de parada: lugar onde os veículos coletivos param a fim de receber e/ou deixar passageiro”.
Por último, esta mesma obviedade – que funciona como uma pista, sinalizando para outro sentido a ser descoberto – põe em dúvida o sentido imediato, pois não há bom senso em se dizer o que é obvio. Nessa altura da cognição, ganham relevo outras pistas sinalizadas pelo enunciador, tais como: expressão corporal e/ou facial, entonação da frase, entre outras. Instaura-se, então, um novo desafio: identificar o sentido inferencial (segunda dimensão) da palavra-chave ponto.
Entra em cena o saber enciclopédico, levado em conta pelo emissor na elaboração e execução do enunciado e, agora, pelo receptor, que também compartilha desse mesmo “ponto de intercessão”. O mesmo Aurélio define ponto (15) como: “grau de consistência que se dá ao açúcar em cauda”. Esse grau de consistência é determinante na definição de um produto, por exemplo, o doce, como pronto para o consumo. Essa condição (de pronto para o consumo) é estendida a outros domínios, inclusive ao campo da sedução. Daí dizer-se que alguém está “no ponto”. Quer dizer também que se atingiu o apogeu da sexualidade.
O humor surge, então, desse jogo de equívocos, mas também do suposto oportunismo do enunciador, que soube usar, com precisão e criatividade, o contexto em que se encontrava o interlocutor em benefício de suas pretensões de sedução.