Eloá e os ingredientes do caldeirão
Mais um caso de tragédia nacional, ou, pelo menos, tragédia local, só que nacionalizada. Pela mídia, por causa do Ibope que dá assistir a tragédia alheia. E também nacionalizada porque o fato poderia ter acontecido, em todos os detalhes, principalmente o desfecho, em qualquer lugar do país.
João Hélio, Isabella, João Roberto, agora Eloá... Não me cansarei de escrever sobre essas tragédias midiatizadas. Primeiro porque não quero banalizar nem naturalizar a violência. Segundo, porque cada nova tragédia midiatizada serve para se discutir o papel de nossa sociedade, e do papel de cada um de nós na sociedade; cada nova tragédia traz um caldeirão de misturas de cada ingrediente deste país: amizade, namoro na adolescência, rejeição, família, crime, polícia, assassinato, mídia, legislação penal, etc.
Por exemplo, comenta-se o papel da mídia. Eu, particularmente, não acho que a imprensa tenha tido um papel assim tão importante. Por outro lado, não posso negar que o seqüestrador ou a seqüestrada possam ter dado uma importância mórbida quanto a estarem em evidência nacional. Uma fama de cem horas. Também sou da opinião que a mídia mostra o que dá audiência, e se o povão quis dar Ibope para o sensacionalismo, o maior problema é o povo e não a mídia. E isso de sensacionalismo dar Ibope se explica psicologicamente e tal. No entanto, houve sim muitos exageros da mídia, ainda mais em uma rede de televisão onde o apresentador tinha até combinado de falar com o seqüestrador por telefone ao vivo. O cúmulo do ridículo. Esse país é mesmo uma vergonha.
Agora, vejamos a polícia. Vejam vocês que a polícia não quis atirar no cara porque a opinião pública iria reclamar. Vejam só, polícia com medo de opinião pública, esta nossa polícia da ditadura militar, que mata às escuras, tortura favelados, mete bala perdida à luz do dia, mata inocente porque confunde com bandido, e que ficou, pasme-se, com receio de se sair mal perante a opinião pública! É pra rir. É que a polícia brasileira é a mais covarde do mundo, e só não atirou porque ficou com vergonha das câmeras. Covardes. Se fosse numa favela, já tinham matado o seqüestrador, aleijado uma refém e matado um inocente que passasse pelo local. Mas com as câmeras... Ah, filmando eles têm vergonha. Polícia covarde e despreparada a nossa. Todo mundo sabe que esses casos se resolveriam com um atirador de elite de plantão, um tiro na cabeça, e acabava o seqüestro. Simples assim, como acontece nos países normais mundo afora.
Mas por aqui, a polícia não mata quando tem que matar e mata às escondidas quando devia proteger, é um país às avessas esse nosso Brasil. Assim como disse um especialista em um jornal, também sinto vergonha de ser brasileiro e saber que é assim que nos protegem essa polícia covarde de ditadura militar. Mas é assim mesmo, o povo paga por escolher mal seus políticos que deveriam preparar e munir a polícia de forma civilizada e adequada. O povo, no fim, merece o que tem. Votem melhor da próxima vez. Mas, sinceramente, duvido que votem melhor da próxima vez, e duvido que exijam do Estado que ele cumpra seu dever, e, até isto acontecer, muitos poemas e muitas crônicas ainda serão escritas, cada vez que uma nova tragédia acontecer.
Por fim, não consegui sentir raiva do seqüestrador, senti um pouco de raiva da polícia, e mais ainda do Estado que deve cuidar da polícia, e, mais ainda, do povo, que escolhe mal seus representantes, e não os fiscaliza. O povo consegue se reunir em dezenas de milhares de pessoas para se solidarizar com a família no velório e no enterro da adolescente, mas por que não se reunem milhares de pessoas para protestar por mais segurança e educação diante das câmaras e dos gabinetes municipais?
Governo corrupto e povo alienado: ingredientes perfeitos para explodir os mais sensasionalistas barris de pólvora da próxima semana.