NÃO GOSTO DE SENTIR MEDO

 

            Em todos os momentos históricos o homem fez uso da violência para atingir seus objetivos. Muitas vezes ela foi usada em nome do amor, da religião, da paz. Mas é sempre a mesma velha e cruel barbárie a passear de mãos dadas com a história.

            Diante de cada atrocidade que vemos nos perguntamos: “até quando meu Deus?” E a resposta é sempre adiada diante de uma nova tragédia. E nossos olhos já não conseguem disfarçar a dor, nossos corações sangram e choram a perda dos irmãos atingidos pela violência. 

            As estatísticas refletem os números de mortos e feridos, nunca a dor das vítimas. As notícias procuram traçar o perfil dos criminosos, mas não conseguem traduzir a irreparável perda e a destruição por eles causadas.

          Por que um assunto tão pesado neste início de domingo? Porque li que a jovem Eleoá teve morte cerebral declarada pela equipe médica e porque lembrei das últimas notícias envolvendo os acontecimentos no alto oeste de meu Estado. 
 

        E apesar de saber que a violência não é algo isolado e estou com medo. Não gosto de sentir medo, mas nos últimos dias ele sempre tem me alcançado. Vez por outra, por situações diversas, ele aparece. Não o medo covarde, mas aquele que não conseguimos explicar porque estamos sentindo. Embora o que estou sentindo agora tenha explicação.

     A barbárie tão presente na caminhada histórica tem apontado na diração de pessoas muitas queridas. Nas últimas eleições minha irmã foi eleita vice-prefeita da cidade onde mora (Frutuoso Gomes, pequena cidade do alto oeste potiguar). Não pode comemorar. Na mesma noite a cidade foi invadida por um clima de terror. Queimaram uma loja de móveis, atiraram contra carros e residências. Ninguém sabe, ninguém viu. Lei do silêncio.

           
           A comemoração foi marcada para domingo passado, mas aconteceu outra tragédia. Uma jovem foi atropelada por uma carreta, teve seu corpo esmagado e arrastado pelos pneus traseiros. Mais uma comoção em todo município. Comemoração adiada. Terça à noite um homem armado, vestindo roupas do exército executou um agricultor em frente à casa de sua sogra, com cinco tiros. Minutos depois outro morador da cidade recebe uma ligação sendo avisado que ele será o próximo de uma lista com dezessete pessoas. O último seria o prefeito eleito.


            O nome de minha irmã não consta na lista. Mas consta, segundo os comentários, o de seu esposo e de uma filha. Isso tudo deixa em minha garganta um gosto amargo de palavras que não podem ser ditas, sequer deveriam ser pensadas. Mas, se não deixo sair às palavras não consigo frear os pensamentos. Assusta-me a violência gratuita, a morte por motivos pequenos, o terror que impera nas mentes doentias.

        Diante de tudo isso fico me perguntando: por que  a história da humanidade precisa ser escrita com tanto sangue? Por que a vida humana vale tão pouco diante de interesses mesquinhos? Por onde anda o amor, o respeito a vida? Que pessoas são essas que, como deuses, decidem quem já deve ir para o andar de cima? Que mentes são essas, que diante de algumas adversidades, saem por ai espalhando medo e terror por toda cidade? Quem estaria por trás de tudo isso? A quem interessa toda essa selvageria?

         Não quero as respostas. Elas podem ser tão assustadoras quanto às perguntas. Quero apenas não sentir medo. Acreditar que essa lista não existe. Que estamos todos seguros. Mas estou assustada. Não posso negar meu medo. Não é a morte que me assusta, é a vida violenta, o desejo mortífero de alguns viventes.

            Que o Deus da vida proteja Frutuoso Gomes das mentes doentes e da violência que habita nas almas perturbadas. Que o Deus de justiça e paz faça reinar a segurança e a harmonia entre seus moradores e que o povo possa, finalmente, respirar em PAZ, viver tranquilamente e começar a sonhar com dias menos nebulosos. E que este mesmo Deus toque os corações famintos por sangue e os alimente com seu infinito amor.

           
       Que não percamos nunca a capacidade de nos indignarmos diante da violência e jamais nos calemos diante das injustiças. Sejamos defensores da PAZ e da VIDA, sempre! 



 

* Imagem: Foto da minha irmã Vera-Lúcia tirada para campanha.




Domingo 00h15min

Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 19/10/2008
Reeditado em 12/11/2012
Código do texto: T1236270
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