Histórias de Passageiro: Parte III
Nesses dias, estava sentado na velha condução, indo a um lugar qualquer, quando no assento da frente dois amigos conversavam: “você viu ontem no jogo?” Perguntou um dos rapazes. “Vi, achei bem feito. Só tem marginal na torcida deles. Quando a gente vai pra lá é muito pior”. O outro simplesmente concordou.
Eu estava lá na noite anterior.
Naquele momento recordei-me do exato instante. Estádio cheio, mas não lotado. Minha voz fora-se embora durante o fim de semana antecedente e ainda não voltara. Assistia calado, ao jogo. Segundo tempo. Meu time perdia, até que se ouve um forte barulho e da parte que estava reservada para a torcida adversária era possível ver a fumaça e as pessoas correndo para longe. Logo depois, vê-se a torcida adversária correndo em direção ao portão que separava-os do resto do estádio. Foram rapidamente repreendidos pela polícia e impedidos de invadir o espaço delimitado para a torcida da casa. Pouco tempo depois, apesar do placar desfavorável, via-se em parte da multidão manifestações de alegria, aprovação e euforia devido à bomba jogada há pouco.Eu estava lá.
Eu estava lá.
Pessoas estavam lá.
Famílias estavam lá.
Amigos estavam lá.
Gente de bem estava lá.
É lamentável, mas, em certos momentos, instintos animalescos, inconseqüentes, desumanos, intoleráveis e imperdoáveis tomam conta de nós. Ou de alguns de nós.
A terrível influência midiática que, mesmo tentando encobrir, deixa subentendido seu incentivo à incitação da violência, além da manipulação de pensamentos imposta pela ordem social vigente, nos fazem abaixar nossas cabeças e desperta em alguns esse tipo de comportamento animalesco, inconseqüente, desumano, intolerável e imperdoável. É triste escutar dentro de um transporte público que o fato acontecido na noite anterior foi louvável e continuará sendo feito.
Eu estava lá.
Outro dia, em outro coletivo, escutei outro rapaz dizendo que o sobrinho dele se encontrava no local do estádio onde a torcida rival primeiro chegaria caso a polícia não os tivesse contido. Não se sabe o que teria acontecido a uma criança inocente que, provavelmente, não sabe ainda o que é uma bomba (naquela noite, certamente esta criança descobriu).
É triste tentar protestar e não ser ouvido. Tentar conscientizar e ser repreendido. Tentar conviver sem aceitar e ser excluído. É lamentável tanta violência. É lamentável tanta ignorância.
A imprensa abafou o caso e dias depois ninguém mais se lembra do ocorrido, visto que nada de mais “grave” aconteceu. Porém, nessas horas cabe a todos nós fechar os olhos e pensar num modo de interromper esse ciclo vicioso de ataque e revide que nunca acaba. É preciso refletir sobre as regras que nos são impostas por aqueles que “comandam” e aqueles que comandam. É preciso cessar a eterna guerra. É preciso lutar por liberdade. Ainda nos cabe sonhar com a paz.
Eu estava lá. Mas foi só uma “bombinha”.
Desço da condução. Vou para qualquer lugar.
Pois é, caro leitor! Não só os motoristas... Passageiros também têm suas histórias.