FAXINA DE EMOÇÕES
De quando em vez, faço uma faxina nas emoções. Isso ajuda-me a manter-me centrado naquilo que me é importante, e a não mudar o foco do que quero dizer ou atingir. E também a eliminar o que passou da hora, seja por desatualização, seja por alguma manifesta incapacidade de lidar com o assunto.
De todas as vezes fico pasmo com a minha capacidade de acumular algum tipo de ranço emocional. De guardar coisas mal resolvidas e de ficar a remoê-las até ao ponto de se sublimarem em algo muito diferente do que começaram por ser.
Parece-me que nasce até alguma beleza, por vezes, junto com essa nova coisa insuspeitada que acaba por surgir vinda não sei nunca de onde, o que não deixa de ser uma vantagem apreciável.
Mas lucro real, mesmo, claro e nítido, esse vem de uma outra coisa que nunca soube bem explicar. O ranço, em tantas revoluções e manuseios, vai-se consumindo a si mesmo, num processo de auto-combustão e , por fim, costuma extinguir-se em cinzas que opto por soprar para longe, antes que o vento o faça e me roube o prazer da última palavra.
Renasço, então, maior que eu. E preciso de esforços coerentes e continuados de organização e catalogação, de dar algum esboço de ordem ao meu universo pessoal, para poder finalmente sentir-me diante de um futuro em branco, uma paisagem onde me espraiar escrevendo-me.
Prefiro não analisar essa componente antiga, que me leva a lançar-me em pedaços ao papel, mas sei que o faço, depois que começo, com todos os meios ao meu alcance. É como um objetivo maior, a que não consigo subtrair-me, esse de organizar as palavras em torno de tantas facetas de mim, como se me fosse cumprindo em pequenos destinos nas mensagens que elas comportam, e que eu ajudo a revelar.
Surgem depois os problemas ditados pela coerência. Não porque me faltem vozes – muito pelo contrário - para essas tantas facetas, ou para esses tantos que eu sou. Mas porque talvez fosse desejável uma voz única, onde ela não pode, simplesmente, existir, embora haja quem adote mais identidades, ou identidades complementares, ou ainda quem viva a vida inteira sob uma uma única identidade, que muitas vezes nem é a sua, talvez encontrando nela alguma inebriante forma de liberdade.
O certo é que há sempre um compasso de espera, um hiato a preencher, entre cada novo renascimento e cada nova faxina de emoções.
No ínterim, um fluxo de textos espelhando momentos e estados de espírito, facetas de alma, nuances proliferadas dum eu maior. Identidades compondo identidade. Vozes compondo voz.
E por entre faxinas e emoções, focos de atenção e podas de frondosos excessos, vou descobrindo a todos os momentos a minha liberdade de ser tantos. E entre eles, de me escolher passo a passo, sempre rumo a alguém que me leia, totalmente ou não.
Outubro 2008