A teia
O céu, com os olhos fechados, chorava na escuridão... eu olhava enquanto os bichos atravessavam, com seus sons noturnos, o silêncio que se movia entre os canteiros de folhas trêmulas, onde gotas lacrimosas do tempo deslizavam pelas laminas verdes escorregadias.
Apenas mais uma noite escura com uma chuva miúda, lenta e fraca como um choro pequeno de mágoa resignada.
Protegida pelo beiral do telhado eu simplesmente olhava, sem nenhuma pretensão. Mas havia uma aranha laboriosa, com gestos perfeitos e ritmados, em plena atividade. Volta e meia eu voltava meus olhos prá ela. Tão perto de mim parecia ignorar minha presença. Por um instante me vi mais forte que ela, maior, mais poderosa... seria fácil matá-la, pensei num segundo, mas porque matá-la se era só mais uma aranha a tecer numa noite fria?... e tão fria a perscrutar cada ruído de um sentimento encoberto, numa sensação de vida estagnada, presa na trama que ela mesma urde com perfeição de nós e embaraços.
Resta o latejar das veias, o pulsar no peito, se debater de qualquer jeito.
Resta uma esperança tola, mas boa.
Resta sempre alguma coisa prá se estender ao sol quando a manhã, com os olhos abertos, nos cobre de luz.
Resta sempre um pouco de nós.
E porque era uma noite negra, abri bem meus olhos prá tentar entender o que o céu encobria, mas emaranhado o pensamento não se alinhava, eu não alcançava e só me restava o olhar parado na trama da teia alheia ao meu desvario.
Restava na pele um arrepio.