ANA MARIA RIBAS, você (não) tinha esse direito(?!)...

 

                Ana é uma cronista que leio desde que ela aqui chegou. Fala de Deus com uma paixão arrebatadora. Escreve bonito, mas logo de início ela já chegou “pisando em meus calos”, leu uma crônica minha e sugeriu, através do contato, que eu mudasse o título. Disse ela: “as palavras têm poder, não vale a pena, troque o título”. Fiquei muda. Não troquei. Ela não parou por ai. Escreveu uma crônica “É MELHOR CONFESSAR”, falava dela, mas eu sabia que era para mim aquele recado.

                Passei a noite em claro. Pensei. Chorei. Avaliei. E concluí. É Melhor confessar. E confessei. Há alguns meses senti um nódulo no seio. Fui ao médico. Pelo histórico da família foi aceso o sinal de perigo. Indícios de um tumor maligno. Retiramos material para biópsia.  No meu caso, pela idade e, mais uma vez, pelo histórico nada animador da família, era melhor partir para o ataque antes mesmo de saber o resultado da biópsia, disse a médica. Isso significava drogas pesadas para tentar desmanchar o nódulo. Injetável. Eu morro de medo de injeção. Mas o que não se faz pela vida?

                Resolvi que não contaria a ninguém (a crônica eu tenho CA foi uma tentativa frustrada de revelar, mas pensei em meus filhos, em meu esposo que estava passando um período difícil e negociando um contrato que se fosse efetivado ele precisaria ficar fora por uns três meses e resolvi não falar). Fiquei calada enquanto pude, depois, em virtude do tratamento precisei conversar com meu orientador de estágio, precisava me afastar do estágio para fazer o tratamento e iniciei a rotina cansativa desses casos. Exames, mais exames. O nódulo sumiu. Desmanchou-se. Mas a mastologista insistia em tirar um pedaço de tecido para um novo exame. Questão de segurança – dizia ela.

                Enquanto decidíamos o que fazer eu decidi contar a todos. Falei para meu esposo. Ele não gostou de saber que eu havia ocultado algo tão grave. Também acho, mas naquele momento não pensei assim. Fiz o que achei melhor. Ao saber ele me disse: você é muito forte. Não, não sou muito forte. Apenas não me desesperei diante do óbvio. Confesso que tive medo, quem não tem? Chorei, mas eu choro por tudo mesmo. Mas pensava: o que há de mais em ter CA? Na pior das hipóteses ele apenas acelera um processo natural – morrer. Não tenho medo de morrer. Descobri, neste período, que já estou pronta.

                Adoro a vida e nada farei para encurtá-la, ao contrário, tudo farei para troná-la melhor, mas morrer não me amedronta. Percebi que apesar da lista de coisas que ainda preciso fazer posso dizer em coro com Neruda: Confesso que vivi. Enquanto aguardava o veredicto final fiquei aqui, escrevendo, lendo, amando, sentindo o amor daqueles que são importantes para mim e descobrindo que viver é uma grande e maravilhosa aventura.

                E agora dona Ana, resta-me dizer: OBRIGADA. Obrigada por me fazer entender que eu não tenho o direito de esconder daqueles que amo o que estou passando. Como você mesma diz: Deus usa você para realizar sua obra. E sabe o que mais? Eu tenho certeza que este mesmo Deus está agindo ao meu favor. Eu sei que ainda não será desta vez que encontrarei minha amiga morte. Ela ainda vai me esperar (MUITO). Afinal eu ainda não fui à Grécia.


* Foto retirada da página da autora no RL.

Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 18/09/2008
Reeditado em 18/09/2008
Código do texto: T1184191
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.