Coordenadas para o meu funeral
Ah, mas pense! Que graça tem um funeral de gente rica? Todo mundo discreto, chorando pouquinho, atrás de óculos escuros tamanho big?
Não! No meu funeral eu quero as manifestações de dor do povo pequeno, do povo pobre e indigente no qual tenho a raiz mesma dos meus genes.
Meus avós era paupérrimos. Sapateiro com dona de casa, encanador com pitizeira - sim, porque a minha avó paterna, por mais que tivesse um nome pomposo (Georgina Luiza da Costa Rodrigues) dava piti "por qualquer bosta", como ela mesma dizia; dava carreira em macumbeiro e surra em rapariga - minha bisavó, uma senhora muito da braba, mandou um jagunço dar um clister de pimenta malagueta numa "bicha safada que se meteu com Pedro", meu bisavô. Para quem não sabe, clister é uma lavagem intestinal, um enema. Agora imagine isso de pimenta malagueta verde? Ui!
T-Rex se retirou indignado, ele é contra violências deste tipo.
Pois bem, tendo raízes tão populares pra quê eu haveria de querer um funeral pomposo e monótono?
Nada disso. No meu enterro (pobre não faz funeral, pobre se enterra) não gastem dinheiro com flores caras, quero aquelas florezinhas mais simples e baratas - procurem a Baixinha, no Mercado da Produção, ela é minha amiga, fará um desconto - e nada de coroas imensas, acho horrível. Borrifem tudo com alfazema e comprem, pelo amor de Deus, um spray anti-cheiro, pra tirar a catinga de defunto que sempre fica no ar.
Não me coloquem em caixão caro, vou ficar com dor na consciência pro resto da eternidade se alguém se aperriar pra comprar um caixão dispendioso. Outra coisa! Importantíssima. Nada de padres. Não sou católica, não quero aqueles urubús em volta do meu caixão. Se trouxerem um macumbeiro eu aceito, um monge budista talvez, um espírita que saiba engrolar uma precezinha, pode ser. Padre não, viu? Muito menos um desconhecido. Pastor nem pense! Ai de quem trouxer um pastor, eu puxo a canela de madrugada. Tô avisando. (até por que segundo os pastores eu tenho um lugarzinho garantido no inferno, opinião que os padres compartilham.)
Agora a parte que interessa e que quero ver cumprida.
Pelo menos duas pessoas devem dar um piti monstruoso, com direito a grito, choro, barulho, caixão balançando. Pelo menos três devem estar rindo alto, lembrando das coisas engraçadas, das piadas que eu gostava. Pelo menos cinco vão cantar as músicas que eu gostava de cantar na cozinha, fazendo salgadinho. Pelo menos duas tem que tomar um susto, gritar e tomar água com açúcar (se não forem diabéticas).
Todas, sem exceção, devem tentar perdoar minhas faltas, minhas ausências, essa minha grosseria inata, esse meu dialeto antigo que só duas pessoas no mundo sabem decifrar. Devem também perdoar meu coração selvagem, que destruiu aldeias e devorou gente.
Não inventem virtudes que não possuí, nem bondades que não tive. Não inventem qualidades que nunca foram minhas. Falem das minhas verdades, e das coisas todas que fiz, certa ou não.
Me enterrem com um vestido florido e alegre, e - segredo de estado - não deixem meu sorriso vazio. Não entupam meu nariz de algodão, acho terrível (dêem um jeito, se virem!), pintem minhas unhas do vermelho que sempre gostei. Alguém se lembre de ajeitar meu cabelo (se eu ainda o tiver) e não me deixar com uma cara muito evidente de defunta.
Quando eu partir dessa pra melhor (supondo-se que seja melhor) não levo nada dessa vida a não ser as coisas que guardei no meu coração, que impressionaram minha alma, o amor e o melhor de cada pessoa que conviveu comigo.
Não tenho nada que ame mais que as pessoas que amo e que sempre estarão comigo, dentro no meu coração, para onde quer que eu vá (ainda que, conforme padres e pastores, seja o inferno)! As quinquilharias que tiver façam delas o que quiserem, não quero nada, nada disso é meu, mas, se possível depositem no meu caixãozinho simples, junto às minha florezinhas comuns, todo o amor que tiverem por mim, ai sim, vou partir contente, pronta para acertar as contas com a vida e com Deus.
Ah! você voltou tiranossauro safado? e não se atreva a rir assim.
PS: só quem pode quebrar as regras desse meu funeral, é Lohan, meu elegantíssimo cavalheiro, que irá de preto, será discreto e usará óculos escuros ao melhor estilo Paris Hilton. Eu aceito as diferenças. Por que não?