CRÔNICA DE UMA VIAGEM - II
Tive impressão que a lua sorria de mim quando praticamente atravessamos a cidade sob o intenso silêncio da madrugada. A cidade dormia toda lânguida nos braços de Morfeu embalada pelos suaves respingos de chuva nos telhados das casas e nas lajes dos edifícios. Não havia nem gatos nem cachorros vadios fuçando as latas de lixo, a capital tornara-se um deserto noturno. O motorista do táxi acelerava sua máquina e atravessava os sinais vermelhos com indolência, mas parecia que quanto mais chão a velocidade engolia muito mais como que brotava repentinamente, alargando a distância. Chegar ao hotel foi algo assim como uma proeza meio desnecessária porque o tempo que gastamos para ir até lá reduziu bastante a oportunidade de permanência no apartamento. No entanto valeu a birra de fazer a companhia aérea também sofrer as consequências de simplesmente cancelar o vôo há tanto tempo programado sem dar qualquer explicação ao menos razoável nem demonstrar sensibilidade e bom senso com os seus clientes. Embora o hotel fosse de baixo nível e bem ao lado dele, em plena madrugada amadurecida, uma espelunca frequentada por notívagos desmiolados tocasse músicas estranhas, doidas mesmo, em alto e péssimo som, ainda assim senti-me recompensado por tomar a atitude de exigir respeito aos meus direitos de consumidor.
O taxista nos deixou à porta do pretenso hotel e, meio sonolento, respondendo à minha pergunta sobre o horário em que ele chegaria para nos levar novamente ao aeroporto, afirmou que permaneceria nas proximidades aguardando o momento de nos apanhar porque não teria condições de fazer o percurso de ida e volta em tão pouco tempo. Iria tirar um cochilo, olha só! Por sua vez, o recepcionista olhou meio enviesado para a autorização, o cigarro em pandarecos pendendo dos lábios, entregou-nos a ficha de hóspede e esperou. Era só desconfiança minha ou ele deixava à tona um risinho meio maroto e sarcástico?
Torno a bater na mesma e indefectível tecla: o apartamento descortinou-se para nós expelindo mofo e descaso, paredes manchadas, teto infiltrado, cama sabe lá Deus em que estado. Abrimos a janela para renovar o ar e fomos invadidos por uma enxurrada de sons esdrúxulos, algo assim como gatos brigando, cães enraivecidos, latas arranhando o asfalto, urros, choros e por aí vai, então rapidamente a fechamos. Mas tínhamos que escolher ou o mofo troçando de nossa alergia ou a aberração que desfigurava e emporcalhava as notas musicais. Optamos pelo meio termo.
Às quatro horas em ponto lá estava o ranzinza do taxista à porta do hotel. Devolvi a chave do apartamento ao recepcionista irônico e olhei fixamente nos seus olhos enquanto dizia: "este hotel é cinco estrêlas..." Ele ficou sério, estupefato. E eu prossegui: "cinco estrelas negativas!" Meti o malho no estabelecimento, no atendimento, no apartamento relegado ao abandono ao tempo em que ele tartamudeava desculpas esfarrapadas e nós saíamos rumo ao aeroporto. Será que agora conseguiríamos, finalmente, embarcar ou teria havido um novo cancelamento do vôo?
Tive impressão que a lua sorria de mim quando praticamente atravessamos a cidade sob o intenso silêncio da madrugada. A cidade dormia toda lânguida nos braços de Morfeu embalada pelos suaves respingos de chuva nos telhados das casas e nas lajes dos edifícios. Não havia nem gatos nem cachorros vadios fuçando as latas de lixo, a capital tornara-se um deserto noturno. O motorista do táxi acelerava sua máquina e atravessava os sinais vermelhos com indolência, mas parecia que quanto mais chão a velocidade engolia muito mais como que brotava repentinamente, alargando a distância. Chegar ao hotel foi algo assim como uma proeza meio desnecessária porque o tempo que gastamos para ir até lá reduziu bastante a oportunidade de permanência no apartamento. No entanto valeu a birra de fazer a companhia aérea também sofrer as consequências de simplesmente cancelar o vôo há tanto tempo programado sem dar qualquer explicação ao menos razoável nem demonstrar sensibilidade e bom senso com os seus clientes. Embora o hotel fosse de baixo nível e bem ao lado dele, em plena madrugada amadurecida, uma espelunca frequentada por notívagos desmiolados tocasse músicas estranhas, doidas mesmo, em alto e péssimo som, ainda assim senti-me recompensado por tomar a atitude de exigir respeito aos meus direitos de consumidor.
O taxista nos deixou à porta do pretenso hotel e, meio sonolento, respondendo à minha pergunta sobre o horário em que ele chegaria para nos levar novamente ao aeroporto, afirmou que permaneceria nas proximidades aguardando o momento de nos apanhar porque não teria condições de fazer o percurso de ida e volta em tão pouco tempo. Iria tirar um cochilo, olha só! Por sua vez, o recepcionista olhou meio enviesado para a autorização, o cigarro em pandarecos pendendo dos lábios, entregou-nos a ficha de hóspede e esperou. Era só desconfiança minha ou ele deixava à tona um risinho meio maroto e sarcástico?
Torno a bater na mesma e indefectível tecla: o apartamento descortinou-se para nós expelindo mofo e descaso, paredes manchadas, teto infiltrado, cama sabe lá Deus em que estado. Abrimos a janela para renovar o ar e fomos invadidos por uma enxurrada de sons esdrúxulos, algo assim como gatos brigando, cães enraivecidos, latas arranhando o asfalto, urros, choros e por aí vai, então rapidamente a fechamos. Mas tínhamos que escolher ou o mofo troçando de nossa alergia ou a aberração que desfigurava e emporcalhava as notas musicais. Optamos pelo meio termo.
Às quatro horas em ponto lá estava o ranzinza do taxista à porta do hotel. Devolvi a chave do apartamento ao recepcionista irônico e olhei fixamente nos seus olhos enquanto dizia: "este hotel é cinco estrêlas..." Ele ficou sério, estupefato. E eu prossegui: "cinco estrelas negativas!" Meti o malho no estabelecimento, no atendimento, no apartamento relegado ao abandono ao tempo em que ele tartamudeava desculpas esfarrapadas e nós saíamos rumo ao aeroporto. Será que agora conseguiríamos, finalmente, embarcar ou teria havido um novo cancelamento do vôo?