Por que tem que ser assim?
Era madrugada e a rua estava deserta. No cruzamento da rua treze, um carro branco estacionado esperava a galera chegar. Aos pouco foram chegando um atrás do outro e um deles falou:- passa o meu pacote. E o camarada que estava no carro respondeu:- não! Só depois que pagar. –Tá, mas só pago depois que a galera toda chegar. Foram encostando-se ao carro um de cada vez. –Um deles meteu a mão no bolso e mostrou o dinheiro. O primeiro pacotinho foi entregue, depois, outro e mais um pacotinho saiu. Der repente um deles gritou:- paguei à mesma coisa e o meu tá vazio. Veio a resposta:- cala a boca e vai saindo aqui ta tudo igual. Mas um deles reclamou:- essa porra não está completa e o chefe respondeu: - você ficou devendo o de terça-feira, esqueceu? –carai assim num dá, já te paguei cara! Cala a boca e sai batido. Nessa hora estava chegando um tal de Rodriguinho e foi direto pegar o seu pacotinho e depois de abri-lo disse:-hêhê, o meu ta cheinho galera quem mandou ceis cê calotero? Então o chefe disse:- devolve essa merda que te entrguei o bagulho errado, esse era do Tico. Nesse momento estava chegando outro moleque e quando ouviu o nome do tico começou a cantarolar uma musiqueta mais ou menos assim:- eu tinha um gato que se chamava tico, ti comia no mato, tico mia no bar, ti comia em qualquer canto..., ti comia lá em casa... foi exatamente na hora em que chegava o Tico e falou-qualé mano? Questória é essa de ti comia? Ninguém me come não camarada; sô viado não! O outro respondeu- ah!!!! Num ferra! Nada contra, mas bem que parece. -O quê? Viado é teu pai. –calma aê camarada! Ah! vai se ferrar. Vo faze você engoli isso daí! E depois de dizer alguns palavrões partiram pra porrada. Rolaram na lama feito porcos, o cara que tava distribuindo o bagulho gritou:- para com essa merda seus bosta se não eu arrebento os dois agora a coisa é comigo. E sacou a arma da cintura partindo pra cima dos dois, a rapaziada saiu correndo enquanto a porrada estancava. O tico tava levando a melhor e disse qualé chefe num tá vendo que ele me chamou de viado? E o chefe respondeu:- e daí eu tamem sô carai! Vaza vazaaa! E começou a dar tiros a pra cima deles. Tico levou a pior, um tiro no pescoço enquanto o outro caia também com dois tiros numa das pernas. Nesse momento a polícia já estava chegando e o chefinho entrou no carro e saiu cantando os pneus fazendo uma fumaça preta na rua. Na manhã seguinte uma mesa vazia na sala de aula e mais uma vaga na obra do seu João.
Toco que morava na favela levou um tiro na coluna e ficou paraplégico condenado a viver numa cadeira de rodas e Tico faleceu. Naquela tarde, seus amigos depositaram flores no seu túmulo e o sonho de ver seu filho se formar em medicina foi arrancado do coração de dona Isaura que tanto lutara para juntar alguns trocados com a mesada que Tico recebia do pai. Tantas horas passando roupas, numa lavanderia que ficava numa rua de São Conrado.
Por volta das vinte e duas horas naquela mesma noite um carro branco estava parado na esquina da rua treze e uma galera já estava por lá, enquanto uns chegavam outros saíam com seus pacotinhos na mão.
Estranhamente o carro da polícia também passava a alguns metros daquela esquina, mas desviaram o caminho e fizeram uma batida policial revistando os carros que passavam pelo túnel.
Lili Ribeiro