Arte do atleta
O espetáculo das Olimpíadas é o espetáculo dos corpos em movimento, sem o exibicionismo enganoso das passarelas de moda, em que o acessório é o centro das atenções. A vaidade é uma componente, sim, mas a maioria dos atletas na passarela da força e da velocidade busca a superação, não está ali para se mostrar.
A superação de si, em primeiro lugar, e depois a superação dos concorrentes. Competir contra os próprios limites é o que empurra o competidor ao máximo de sua capacidade. A medalha consagra essa vitória, a vitória interna que ganha o lado de fora, sobe ao pódio da fama e por alguns segundos premia o esforço da vida inteira.
Assim com a forma humana se reflete e busca a síntese num palco de atores, a arena esportiva por excelência sintetiza a eterna vontade de elevar-se, presente no palco olímpico. É lá que contemplamos a arte do atleta.
Na arte do atleta não cabe o fingimento nem a simulação. A imitação é imitação objetiva de atos que se repetem à exaustão, atrás da perfeição inalcançável. E também a repetição de uma idéia fixa, do desejo de ir além, de sair do mesmo corpo cuja essência se revela no tablado olímpico – onde o animal domesticado aflora com violência e os complementos da biotécnica são sugeridos, no encontro entre duas utopias: do passado selvagem com o futuro de uma espécie modificada pelo conhecimento.
Na praça olímpica, o valor da informação fica em segundo plano diante da estética do corpo em ação. O movimento da carne e dos ossos parece mais veloz que o pensamento. Daí o fascínio alimentando o encanto da multidão com os artistas do corpo. Mas na estética olímpica, o pensamento não se distingue da ação. Cada recorde quebrado é uma surpresa antecipada, uma sinapse prevista.
O domínio da ciência nas modalidades esportivas acentua o caráter competitivo e, de certa maneira, maquinal, dos atletas na ribalta. A diferença é que a máquina humana, quando repete o que faz, aumenta o seu desempenho, e neste sentido, melhora. A intervenção científica põe lenha na chama dos puristas, porém não prejudica outro tipo de esporte, muito popular, a contemplação. Afinal, a corrida tecnológica agora é biotecnológica, mas desde antes de ter o fogo nas mãos o homem é desafiado pela natureza. Talvez por isso o deslumbramento: a arte do atleta nos rememora a luta ancestral pela sobrevivência.
E mais. Redescobre em nós o corpo entorpecido pelo ser embriagado de espírito. Toda alma precisa de um corpo tanto quanto a consciência necessita de uma alma – definida a “alma” como “essência” ou como “eu”, transcendente ou contingente, substrato transitório ou imortal. A propósito, o conceito socrático de alma, segundo Platão, estipula exatamente o movimento autônomo como explicação da imortalidade. “O que se move a si mesmo é imortal”, teria dito Sócrates. O movimento, portanto, seria a natureza da alma.
A ênfase do corpo e o elogio da aparência ressaltados nas Olimpíadas nos remetem ao reino da essência contido na arte do atleta. No realce do esforço físico extremo, o limbo entre o corpo e o mundo se proclama – e a alma se insinua, na arte física, tão real quanto o instante mágico da superação.