Pelados e decentes

Eu sou naturista. Podendo e com o clima agradável, me nego a usar roupas. Como moro sozinho, de muro alto e em Goiás, vivo nu. Se esfria um pouco, coloco uma camiseta, se esfria um pouco mais uma calça de moleton, e conforme vai esquentando eu vou tirando tudo de novo. Afinal, se Deus fosse a favor do naturismo fazia com que a gente nascesse nu, né?

A gente nasce pelado e livre. E já de cara, a primeira coisa que fazem é nos encher de roupas e, durante a vida toda ir nos tirando a liberdade. Educar é tirar liberdade. Adestrar é tirar a liberdade. Viver em sociedade é viver condicionado a situaçãoes e, para piorar e encarecer, ainda temos que nos vestir adequadamente ao local que formos.

Aí eu acho um exagero. Quando o local “exige” uma vestimenta eu já me nego a ir e pronto. Sai mais barato eu fazer uma festa que comprar uma roupa para ir a uma festa. E descobri também que usar roupa é anti-ecológico ou, mais apropriadamente, ecologicamente incorreto. Para se lavar o tanto de roupa que usam e suam, gasta-se um absurdo em água, energia elétrica e sabão que polui os rios. Ser um “vestido” é quase uma afronta à ecologia.

Mas, naturismo é coisa séria. Não há conotação sexual, nem mesmo qualquer vínculo sexual, na prática do naturismo. A definição internacional é perfeita e clara: “Naturismo é um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática do nudismo em grupo, que tem por intenção favorecer o auto-respeito, o respeito pelo outro e o cuidado com o meio ambiente.”

Naturistas não se encontram para mostrar corpo ou para ver corpos. Se encontram para viver em contato com a natureza de uma forma sem hipocrisia ou cinismo. Aliás, se alguém ainda não sabe, qualquer atitude libidinosa ou de nexo sexual, uma cantada ou qualquer demonstração de afeto mais ardorosa já é motivo de infração e a pessoa é tirada do meio. Convidada a se retirar. Quer fazer sexo então vá para casa.

Todos os animais vivem nus em perfeita harmonia. Nada mais natural que os humanos, sendo animais autoconscientes, tenham a noção de que uma coisa é uma coisa e outra é outra. As tetas das vacas são diferentes uma das outras e as das mulheres também. Portanto se num rebanho não ficamos notando particularidades dos animais, se todos os humanos estiverem nus também não.

Quando todos estão vestidos e um fica nu, então destoa e toda a atenção se volta para ele. Mas se todos estão nus, ninguém mais se nota ou é notado. A gente conversa olhando nos olhos, da mesma forma que conversamos quando estamos vestidos. Todo mundo sabe o que há debaixo do pano.

A mesma coisa se dá em relação aos pênis. Cada um tem o seu de tamanhos e formatos diferentes. No naturismo ficam todos “iguais”. Não chamam a atenção. A barriga, os peitos caídos, as varizes, as bundas murchas dos véios, se equiparam às beldades dos adolescentes e das crianças e nada chama a atenção em particular.

Notei isso na primeira vez que fui a um encontro naturista. Vi uma menina linda que me chamou a atenção e fiquei num ângulo olhando sem ser visto. Quando me dei conta, notei que estava olhando só para o rosto dela, para os trejeitos, o sorriso e nada para a nudez. Foi aí que eu entendi como que a coisa funciona.

O que existe no naturismo é muita decência. Primeiro porque se reunem numa chácara onde há despesas a serem cobertas e isso tem um preço. Tem que ir de carro. E não basta querer ir. Tem que ser convidado. Isso evita constrangimento de se topar com eventuais “indecentes”. Não se pode tirar fotos, não se pode aproveitar que é no mato e mijar na frente de todos, não se pode ter um comportamento anti-social.

O que difere uma sociedade naturista séria, registrada na Federação Brasileira de Naturismo, etc, de um outro clube qualquer, é só a ausência de roupa e a convivência na natureza. Embora haja casos, naturismo não foi feito para ser praticado em ambientes fechados. Quando esfria se coloca uma roupa necessária para se proteger. Afinal ser naturista não é ser estúpido de ter que passar frio em virtude do nudismo.

É interessante que os portugueses chegaram aqui no Brasil em 1500 e encontraram todos os índios nus e, segundo a carta de Pero Vaz de Caminha, “não cobriam seus pudores e o faziam com total inocência”. Adivinhe quem foi acabar com o barato e colocar roupa nos índios? Ela mesma: a Igreja Católica. Que imoralidade. Em vez de tirar aquele monte de vestes dos padres, puseram roupa nos índios. Só rindo mesmo.

A relação entre a nudez coletiva e o desenvolvimento do indivíduo está no conceito de "aceitação do corpo", ou seja, na descoberta de que o corpo humano é um todo não havendo partes honrosas e partes indecorosas.

Os naturistas, ao conviverem com a nudez do próximo não são chocados nem agredidos pelo corpo e sentem que o respeito é possível mesmo sem artifícios. Entrando em contato com a própria essência e deixando para trás o que é acessório. Para os naturistas somos todos iguais, apesar das diferenças.

E isso faz a diferença. Quando famílias decentes e honradas, muitas delas em segredo pelas pressões sociais, se juntam com outras famílias, suas crianças e tudo mais, para nadar, pescar, jogar vôlei, jogar baralho, conversar, comer muito bem, etc, sem um ser diferente do outro, o encontro é mito mais fraterno e puro. Isso é outra coisa que me chamou a atenção. A gente só nota quem é mais rico ou é mais pobre na hora de ir embora, avaliando os carros que usam.

Enfim convido a todos a serem peladões, a conhecerem a pureza e a paz que reinam nesses encontros onde todas as pessoas estão nuas, e não se envergonham, muito menos envergonham os outros. Quando nos encontramos depois em eventos na cidade onde todos estão obviamente vestidos, vemos que tudo é igual. O que enche o saco é a roupa que temos que usar para sermos “iguais”, quando sabemos ser iguais de verdade, e melhor ainda, sem roupa.

Somos pelados decentes. Qualquer confusão é falta de informação.