SE FAZER PASSAR POR ELA

SE FAZER PASSAR POR ELA

Marília L. Paixão

Estou a fim de escrever qualquer coisa. Sentei aqui por sentar e adoro escrever por escrever. Se vai me ler assim mesmo assuma o compromisso com os meus chouriços.

Afinal passei a manhã esperando, passei a tarde me movimentado e agora quero me passar a limpo nesta tela branca.

Primeiro pensamento do dia: que droga! Teria que correr, pois o serralheiro estaria me esperando. Ainda estava com sono. Fui lá para a casa vazia. Depois que o serralheiro foi embora começou a hora de esperar o chaveiro. No intervalo li no jornal sobre um site americano que premiava as mortes mais estúpidas do mundo e quem liderava os votos era um brasileiro. O tal do padre que morreu viajando num balão. Como vê de um jeito ou de outro o brasileiro dá seu jeito de não ficar esquecido pelo resto do mundo mesmo depois de morto. Ri e pensei no Sérgio Lisboa. Essa notícia ficaria ótima em uma de suas crônicas.

Depois veio a parte mais cara de pau do dia. O chaveiro trocou todas as chaves que eu queria. Chegou a hora do pagamento e da despedida, sem falar que prosearam um pouco sobre a segurança da casa, sobre grades, cercas elétricas, muros altos, muros baixos, segredos de fechaduras, ladrão, ladrãozinho, alarmes e sirenes, câmeras e monitoramentos... Mas por fim concluímos que na verdade só DEUS mesmo que nos protege. Talvez a dificuldade maior dele seja a de nos proteger das mudanças de lei deste governo em cada novo dia. De qualquer forma achei melhor não iniciar uma conversa deste nível com o chaveiro.

Mas e ai quanto lhe devo? – 65 tudo! – certinho! Mas olha, to sem nem um puto aqui agora, eu vou pagar o senhor depois do almoço, pode ser?! Estou aqui desde 8 da manhã! Tomei banho e café tudo correndo e não podia mais me atrasar. Deixei o caixa eletrônico para depois passar. Depois passo e levo o dinheiro para o senhor lá na lojinha. Tá bom?! O moço não falou que tava nem que não tava, mas não foi embora com cara aborrecida. Também depois da prosa só faltou um café em seguida.

Na hora depois do almoço quando passei lá para lhe pagar eu parecia outra. Parecia que a metade da minha vida estava resolvida. Talvez minha vida esteja melhor que a das moças que estão com o coração livre, se bem que eu nunca fecho o coração para o amor mesmo o meu estando lotado. Não que eu tenha o coração de mãe e não que eu tenha um coração safado. Quem sabe eu tenha um coração folgado?! Melhor que ter um coração enlatado. Também este coração já apanhou demais! Já chorou demais já foi besta demais! Acho que a única coisa que meu coração nunca fez foi cuspir.

Agora eu vou inventar umas coisas para este texto ficar mais variado. Vou inventar que quando bem menininha vestida com os vestidinhos que minha mãe fazia eu queria ser um soldadinho de chumbo, mas queria passear dentro de um barquinho de papel daqueles que fazíamos em dias de chuva. Seria um soldadinho bem comportadinho, bem caladinho, bem vestidinho e feito de chumbinho eu ia afundar no meu barquinho.

Que boçal! Vou ligar para a Mônica Mello e vê se ela me ajuda a criar uma história melhor. Já sei! Vou inventar que eu liguei para ela e aqui está nossa conversa:

- É a Mônica?! - Sim. Quem fala?! – Sou eu, Mônica, a Marília! – Qual Marília?

- A Marília do desencanto. – Acho que você discou errado, viu?! – Será?! Você não é a moça que faz as ruas ficarem mais belas? – Sou eu mesma, sim senhora!

- Então, Mônica!!! Sou eu!!! A Marília que te escreveu isso. – Impossível! A Marília depois que conheceu uma tal de Ana partiu para as terras elevadas. Nunca mais deu notícias, nunca mais escreveu nada.

- Deixa de maluquice, Mônica, olha eu aqui te ligando.

- A senhora está querendo se fazer passar por ela?

- Claro que não! E por que eu ia querer me fazer passar por quem já sou. Se eu quisesse me fazer passar por alguém eu escolheria outro alguém.

- Quem, por exemplo? Com certeza não iria querer se passar pela Marília das terras baixas?!

Foi aí que eu muito ri e ela também riu e essa crônica de nada com nada terminou.

Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 31/07/2008
Reeditado em 02/08/2008
Código do texto: T1106830
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