Só uma tragada!
De um comentário sobre a falta de consideração para com o próximo eu consegui flagrar duas situações do cotidiano ou, pelo menos, do meu cotidiano. Ontem, enquanto conversava com alguns amigos durante uma festa, a pessoa que sentava ao meu lado sacou um cigarro do bolso, acendeu-o e começou a fumá-lo. Ótimo, estavamos em uma festa, a bebida e o cigarro estavam por ali em abundância, então eu não tinha propriedade para reclamar. Só que eu sofro de rinite alérgica. Ou crônica. Tanto faz. De qualquer forma, respirar fumaça de cigarro me faz "ver estrelas". Literalmente. Eu imediatamente levei a mão ao nariz, para protegê-lo, e é claro que o gesto não passou despercebido. E é aí que vem a primeira grande revelação da noite: os mal-entendidos. Era óbvio que eu havia obstruído o nariz para me proteger das baforadas tóxicas que a infeliz passara a liberar. Mas, por alguma razão obscura, ela entendeu minha atitude como uma ofensa. A moça balbuciou algo como "se isso te incomoda, me desculpe". Eu, com todo o meu talento para o cínismo, respondi que sim, que aquilo me incomodava, que afetava a minha rinite e que, se houvesse a possibilidade de ela apagar o cigarro ou fumar em outro lugar, eu ficaria grato. Ela se ofendeu mais ainda. Tomou aquilo como rixa de família. Discorreu sobre toda a atmosfera do ambiente festivo, o ar de "está tudo liberado" e, para fechar seu discurso com chave de ouro, exclamou para quem quisesse ouvir aquela frase batida mas com eterno valor: "Os incomodados que se retirem." Ótimo. Levantei-me e saí. Adoro a companhia daquelas pessoas, mas não valem uma dor de cabeça torturante pelo resto da noite. Contudo, eu realmente fiquei chocado com o poder do mal-entendido. Eu não tencionava ofendê-la. O meu gesto de bloquear as narinas foi até resignado. Para poder conversar, eu passaria o vexame de ficar durante alguns minutos com a mão em frente ao nariz. Eu estava exultando o valor da companhia deles, me expondo ao ridículo para superar o obstáculo, e mesmo assim fui sumariamente atacado, como se tivesse jogado um copo de refrigerante no vestido importado da senhorita em questão. Mas acho que é exatamente essa a função social dos mal-entendidos: desvalorizar os gestos nobres. Afinal, sem eles, aquele senhor que tentou segurar a moça que cairia no chão ao ter seu salto quebrado por um vão da calçada e acidentalmente tocou seus seios seria um herói, e não um velho tarado. De qualquer forma, este é somente um dos problemas do cotidiano. O outro, como deve estar óbvio, é a falta de consideração em si. Quero dizer, a pessoa não morreria por deixar de tragar seu cigarro enquanto eu estivesse por perto. Ou morreria? Não, acho que não. Mas, por um pouco de consideração, ela poderia ter entendido meu gesto como um protesto mudo. "Óh, talvez ele passe mal se alguém fumar perto dele." Ou alguma epifania do gênero. As pessoas poderiam se colocar no lugar das outras de vez em quando. Retirar a máscara de egoísmo, ou auto defesa, como preferirem, e tentar ser bondoza. Pensar no próximo. Fazer de sua cidade um lugar melhor. Talvez não a cidade, mas quem sabe a sua festa. Certo, já estou exagerando...
Tudo bem, não quero reclamar dos mal-entendidos. Alguns deles são engraçados. Agora, a situação do egoísmo, ou falta de consideração, como preferir, é periclitante. Nossa sociedade caminha para o isolamento, e estes gestos nada autruístas só aceleram o processo. Não estou dizendo para que passemos a fazer boas ações. Não precisamos transmutarmo-nos em santos, fazer voto de pobreza e esquentar um sopão para os mendigos da praça. Não, não sejamos tão extremistas. Só peço para que voltemos nossos olhos para as necessidades dos que estão ao nosso lado. Talvez nós tenhamos a solução de algum de seus problemas em nossas mãos. Só precisamos olhar com bondade.
Em resumo: Não vamos fumar perto de quem tem rinite alérgica! Ou crônica! Tanto faz!