OPALA 76
Por Ulisflávio Evangelista
Jorge espera pacientemente, a ligação do dono do Opala Luxo – ano e modelo 1976. Enquanto o celular não toca, ele aproveita para dar mais uma olhadela nos classificados do dia para assegurar de que não existe nenhum outro modelo disponível no mercado.
Jorge decidiu comprar meio que de última hora um veículo antigo, sabe-se que desde a infância – assim como todo e qualquer garoto nesta fase – ele sentia uma certa atração pelos veículos antigos e é bom frisar que antigo não é sinônimo de velho, antigo é antigo e velho é velho.
- Será que ele não vai ligar? – Pergunta Jorge olhando firmemente para o seu relógio no pulso direito.
- Acho melhor ligar novamente – O mesmo Jorge responde continuando a olhar para o seu relógio.
Jorge levanta-se da poltrona recém comprada na loja de móveis do centro da cidade de Congonhas – cidade localizada próxima da capital Belo Horizonte. Enquanto caminha em direção ao telefone para uma nova ligação ao quase futuro ex-proprietário da relíquia...no exato momento o seu celular toca, apressado Jorge atende:
- Alô, Ricardo? – Ricardo era o nome do quase futuro ex-proprietário da relíquia...
- É o senhor Jorge? – pergunta a voz masculina do outro lado da linha.
- Sim! É o Ricardo?
- Não, é o Magno eu sou da Rede Minas Card, estou ligando para oferecer uma grande oportunidade para o senhor. A nossa empresa...
- Não estou interessado, obrigado – responde Jorge sem dar trela.
- Como eu ia dizendo a nossa empresa está realmente com uma oportunidade única e...
- Eh, meu senhor...qual o seu nome mesmo?
- É Magno!
- Muito bem seu Magno, como já disse eu agradeço a sua ligação mas realmente não me interessa, na verdade...
- Estamos oferecendo vantagens que nem o VISA oferece, só pro senhor ter uma idéia, neste mês...
- Oh Magno, não quero ser grosso mas repito: no momento não me interessa...
- O senhor mora sozinho?
- Como?
- O senhor mora sozinho?
- Que diferença faz? – responde surpreso a pergunta.
- É que a Rede Minas Card vai oferecer taxas mais especiais para quem morar sozinho, na verdade eu também não entendi muito bem este item...mas enfim, o senhor mora sozinho?
- Não. – responde desanimado Jorge.
- Esposa e filhos?
- Também não, só esposa.
- Ela está em casa?
- Não, tá no consult... – O que tem a ver se minha esposa está em casa?
- Nada, foi só por perguntar...
- Olha, foi realmente um prazer mas eu aguardo uma ligação com urgência e caso de vida ou morte e...
- É a sua irmã?
- O quê?
- Sua irmã, você têm irmãos?
- Tenho...agora fiquei irritado, passar bem!
Jorge desliga o telefone sem ouvir a última resposta do vendedor. Ele dá uma longa respiração e se acalma. Alcança o telefone sem fio em cima da mesa e disca novamente para o Ricardo – o quase futuro ex-proprietário da relíquia.
O telefone chama, Jorge continua ansioso aguardando que do outro lado da linha alguém atenda e...
- Alô? – responde Ricardo.
- Alô, é o Ricardo? – desesperado o Jorge indaga.
- Sim, quem tá falando?
- É o Jorge e...
- Jorge, Jorge...ah sim, ô Jorge como vão as coisas?
- Bem, bem e o senhor? – Responde desesperado, querendo saber apenas da máquina de quatro rodas.
- Tudo bem graças a Deus...
- Que bom! – corta Jorge e continua a falar: Sabe o que é, tô ligando a respeito do Opala, o senhor não retornou e...
- Retornei sim!
- Tem certeza? – assusta-se Jorge.
- Sim, tem mais de dez minutos que estou tentando falar com o senhor.
- Ligou o número certo? – certifica-se Jorge.
- Sim, liguei o 4255-1220 não é esse?
- É!
- Então?
- Ok, tudo bem, mas e aí fechamos negócio?
- Era exatamente sobre isso que iria te falar, o seu Pedro, vizinho meu aqui de bairro ficou demais interessado pelo carro...
- Mais eu não tinha preferência?
- Tinha, mais o seu Pedro disse que gostava demais do carro, disse até que era atraído pelo carro na infância, imagina só...
- Imagino!
- Inclusive ele até cobriu um pouquinho o valor da sua oferta, fechamos em quatro e quinhentos a vis...
- Eu pago cinco! – afoito responde.
- Sabe o que é, nós já fechamos, e sou do tipo homem de palavra...
- Eu pago a vista... cinco e trezentos! – arremata com ar de última oferta.
- Por esse valor eu até fechava, mas é que...eu já fechei!...mas a culpa é do senhor, eu liguei justamente para avisar se o senhor queria ou não a “beleza” – apelido carinhosamente dado por sua esposa, dona Eucádia – além do mais, o seu Pedro já pagou e levou a “beleza”.
- Tá certo seu Ricardo, fica pra uma próxima vez, um abraço!– Responde entristecido Jorge.
- Outro pro senhor!
Jorge coloca o telefone sem fio de volta à base do aparelho em cima da mesa, senta-se novamente em sua poltrona e liga a televisão, enquanto vai passando pelos canais pensa:
“Onde eu iria conseguir cinco e trezentos? Além do mais a Patrícia não iria gostar que eu comprasse a ”beleza“...”