OLHOS DE METRALHADORAS NAS TERRAS DE BAIXO

OLHOS DE METRALHADORAS NAS TERRAS DE BAIXO

Marília L. Paixão

Talvez eu precisasse hoje de muito mais que palavras de amor, mas a falta delas muito me angustia.

Hoje sequer poderia ouvir Júlia contando para Ana que tem se sentido quase chutada da cama de casal e não passam dos três anos depois de contraído o matrimônio com o seu Manoel. Seria mais um caso do tipo “Leonardo” de A Favorita?

Não Ana! Hoje não é um bom dia para me contar dos problemas da Júlia. Hoje eu tenho os meus, Ana.

Mas você disse para a Júlia arrumar outro canto para se deitar e pronto?!

Não Ana! Não me olhe com essa cara de espanto! Não me olhe como se eu tivesse que agir como Madre Tereza de Calcutá. Hoje estou no dia dos meus próprios espinhos, Ana. Hoje eu queria achar uma casa de qualquer jeito mesmo sem jardins, mesmo sem garagem para dois carros, mesmo sem o amor que parece não reinar por muito tempo em lugar nenhum.

Quem é que vai explicar todas as necessidades dos homens quando o amor é posto em último plano? Antropólogos? Sociólogos? Filósofos? Tem hora que tudo parece a mesma coisa sem a coisa principal, que é a absoluta certeza das coisas. Quem é que ensinou quem a pensar grande? Onde é que os grandes pensamentos dão? Observe Ana, quase nenhum deles fala do amor, e quando fala é para caramelizar algum assunto.

Diga a Júlia que se ela está mesmo querendo o amor do Manoel, que é mais fácil trocá-lo por outro homem. Ou então ficará que nem a Céu querendo o amor do Cassiano. Diga também que a direção do amor tem vários caminhos. Fale a ela sobre o freio. Fale também que nem sempre é seguro pisar no acelerador. Amor demais causa engasgos e amor em menores doses ainda assim dá em multas absurdas. E se a ladainha não tiver fim, diga a ela que o amor não existe. Que o Manoel só quer sossego e talvez ele não queira funcionar todo mês.

Vai continuar me olhando com olhos de metralhadoras, Ana? Eu não estou armada de nenhum AK47. Daqui a pouco vai pensar que pertenço a CIA? Por acaso nunca leu sobre tudo que estou lhe dizendo? Acha que sou eu quem está inventado este lado do desamor?Acho que você precisa mudar os canais da tv. Olhe os jornais!!! Nem eu estou mais conseguindo ler. O mundo está acabando Ana e ele não acaba como naquele filme do Tom Cruise.

Deixe a Júlia para lá e me ouça, Ana. Não quero gritar para ninguém ter que me ouvir.

Pensa que todos ganharam as mesmas flores no dia dos namorados, que você ganhou Ana? Se esqueceu que estava em terras elevadas? Olha aqui embaixo! Me diz o que você vê? Qual é o hino que se escuta além do que se pede que Deus nos acuda?

Madonna está com anemia. Débora Seco está desnutrida. Batman virou batmãe acusado de agredir mãe e irmã. Será que ele tem filha? E a lista de nomes sujos de governantes só tem aumentado. Este é o mundo das terras baixas. Amores virtuais casuais enchem de esperança os corações mais carentes, mas tudo depende de um click sim, um click não. E quando menos se espera o amor do outro já está deletado. Volte para as terras elevadas, Ana. Hoje estou nas de baixo.

Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 23/07/2008
Reeditado em 23/07/2008
Código do texto: T1093590
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