Heróis de João Roberto
De todas as mortes a crianças decorridas da negligência deste nosso poder público corrupto, a que mais me comoveu até agora foi a que envolveu a família do menino João Roberto.
João Roberto, enterrado com o uniforme do herói literário Homem-Aranha, é também, ainda que pós-morte, um símbolo de comoção social digna de um herói da vida real, assim como seus pais. Sim, João Roberto tem uma família de heróis. Primeiramente sua mãe, que o defendeu e a seu irmão com seu próprio corpo contra o fuzilamento doentio de uma polícia doentia. E junto com sua mãe, seu pai, que dia após dia têm se mostrado cada vez mais conscientes e críticos quanto a sociedade em que vivemos.
Os pais de João Roberto não querem aceitar as desculpas do estado, porque sabem que os verdadeiros mandantes do crime são os próprios administradores do estado. Eles sabem que a Polícia Militar pertence ao governo estadual, e que os maiores responsáveis são o excelentíssimo governador do Rio de Janeiro, o Secretário de Segurança Pública e os comandantes dos batalhões. São eles que administram a segurança pública e que dispõem o treinamento, o armamento, o salário e o efetivo da polícia. Sim, meus concidadãos brasileiros: os mandantes do crime são eles! - O governador até nos assegurou a expulsão dos responsáveis. Concordo. Que se vá ele também com sua corja de corruptos e nunca mais seja eleito.
Os pais de João Roberto são heróis porque sabem que não são sua família nem quaisquer vítimas da negligência do poder público que têm que sair de mudança de sua cidade, ou de seu país. Sabem que quem têm de sair e nunca mais voltar são os próprios maus administradores do poder público.
Os pais de João Roberto são heróis porque eles não vão organizar uma idiotizante procissão de velas acesas pela paz nas praias de Copacabana, nem vão realizar passeatas de socialites loiras de camisetas brancas pela Avenida Rio Branco. Não. Eles são heróis! Eles sabem! Eles são conscientes da realidade. Eles organizaram uma carreata de taxistas em frente ao prédio do Tribunal Regional de Justiça do Rio. Sim, cidadãos! Isso! Esta sim é uma organização popular efetiva, responsável, ativa, crítica, revolucionária, inconformista, esclarecida.
Os pais de João Roberto são heróis porque aproveitam o espaço dado pela imprensa não para se utilizarem de sensacionalismo fantástico ou sublimação romântica de sua dor, de sua raiva, de sua revolta. Não. Eles são heróis! Eles sabem do que a nossa sociedade precisa. E eles nos falam dos males desta sociedade, eles não estancam as feridas, eles não se calam, não se resignam.
E, por fim, sinceramente, espero que todos aqueles que se sensibilizaram com mais este caso de brutal extermínio praticado por este poder público ditatorial camuflado se conscientizem e, com o enorme poder do voto que dispõem, não permitam jamais que governadores negligentes com a vida humana se reelejam; que fiscalizem seus representantes políticos, denunciem seus desvios de conduta, e se revoltem com seus erros, e que os punam, organizando-se para sua expulsão de seus cargos; e, por extensão, que escolham dentre si um candidato decente e responsável que vá zelar pelo que é seu dever: a segurança de seus concidadãos.
Sim, João Roberto, você não merecia isso. Não merecia ser tirado deste mundo - Mas há quem o mereça: todos os responsáveis de colarinho branco que contribuíram para o seu fatal destino. E sim, aplausos, muitos aplausos para você, e muitos aplausos para os seus pais, estes heróis da vida real, que não farão de você um anjinho querubim sorridente da imaginação socialite piegas. Não. Seus pais são heróis! Eles sabem! Eles farão de você um mártir, e de seu destino, uma saga pela justiça e pelo resgate da humanidade que tanto falta neste mundo corrupto.