Eles chegavam sorridentes,exibindo sinais de riqueza.Um relógio comprado no camelô no Viaduto do Chá,roupas bonitas compradas na 25 de março,dinheiro no bolso,bem barbeados,corte do cabelo na moda,no estilo do cantor ou jogador do momento.Um bem treinado sotaque paulistês,cantado,cheio de efes e erres bem acentuados.Ao vê-los,descendo a caatinga,já sabíamos:eram os polistas.Chamavamos assim os migrantes que saíam da roça num pau de arara,só levando a coragem e a cara,como diz a música,e,depois de anos penando nos canteiros de obras paulistas,voltavam para ver a família.Vinham contando vantagem,falando no Parque D.Pedro,na Estação da Luz,contando como S.Paulo era rico,como prosperaram,alguns já tinham feito uma casinha em Itaquera ou na Freguesia do Ò,mas,muitos acabavam mesmo em Carapicuiba,ou,sem eira nem beira,dormindo embaixo das marquises;esses,nunca voltavam;acabavam nos hospitais públicos,ou enterrados como indigentes.S.Paulo era madrasta com eles;mas,como o sertanejo é antes de tudo um forte,como diz Euclydes da Cunha,os paraibas,os baianos,os cabeça chata iam resistindo:eu penei,mas,aqui cheguei.Uns poucos formavam seus filhos,faziam seu pé de meia e,só vinham á sua terra a passeio.Para a imensa pobreza do sertão,vinham ricos;compravam terras,gado,até entravam na política.Alguns eram folclóricos.Pareciam que tinham o rei na barriga,desprezavam suas origens,pareciam nem saber andar naquelas estradas vicinais,que,um dia,suas alparcatas furadas,comiam o chão poeirento.Como o causo da mulata que chegou de Sumpaulo,como falavam.A mãe vendia fato na Baixa do Sapateiro e ela ajudava no serviço;voltando do Sul Maravilha,ao passar pela Baixa do Sapateiro,perguntou á tia,com aquele “legitimo”acento paulista:-E,aqui,onde é?È a Baixá do Sapateiró(era empregada na casa de uns franceses,oxitonava todas as palavras).Um tio,irritado,respondeu:
-È,sim,é a Baixa do Sapateiró,onde sua mãe vendia fató...
E,assim,fingindo ser rico prá ninguém zombar dele,lá ia o ex-retirante esquecido do pau de arara,do jabá com farinha seca que comeu nos três dias de viagem até Sampa e das humilhações que passou,enquanto cruzava a Ipiranga e a Av.S.João.
O certo é que quem nasceu prá Vila Matilde nunca chega a Morumbi.