Botando as barbas de molho

BOTANDO AS BARBAS DE MOLHO

Não tenho paciência para fazer a barba. Por conta disso, e das férias que continuo gozando, não ligo para os pêlos que medram aqui e ali, dando ao rosto a idéia de um pequeno arquipélago de fiapos mais ou menos grisalhos. Deixo-me ficar assim, nesse ócio consagrado a Machado de Assis. Mas não pense, acurado leitor, que seja fácil manter-me por todo o tempo, nesse estado, digamos, meio bodegueiro. De sua trincheira, as investidas da Marcela são muitas vezes cruéis e indefensáveis. E como ao vencedor, as batatas, bato-me em retirada até a barbearia da esquina.

Todo barbeiro é simpático porque mente. Sei que se trata de mentira diminutiva, aquela proferida para dar tratos à bola e reacender no cliente um novo Apolo em um rosto que está mais para o crepúsculo que aurora. É para ser assim, quando nos levantamos da cadeira e damos uma última espiadinha na barba removida com precisão de esgrima. O artífice sorri e, tapinha nos ombros, nos retira das costas dez, vinte anos. Fosse eu um bardo à Quixote, talvez arriscasse uns bordejos pela orla a buscar olhos de Capitu nas ninfetas ensolaradas e enfeitadas pela juventude sarada que abunda em Rio das Ostras. Mas como não estou mais para pegar balão e, na verdade, não passo de um Casmurro emplastrado, retorno ao lar e, sentado à varanda, busco em Brás Cubas o bálsamo que me devolve os anos roubados pelos fios da navalha do esmerado Fígaro.

Aldo Guerra

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 01/02/2006
Código do texto: T106727