SOBRE O AMOR
SOBRE O AMOR
Marília L. Paixão
Bernard Gontier diz que falo muito bem sobre o amor. Acho que o Bernard e também muitas outras pessoas devem entender bem do amor que nem descrevo e nem explico, mas fica perceptível.
O amor que nos acalora. O amor que ás vezes nos manda embora. E também o amor que se enche de um falso ódio de nós. O amor com raiva é pior que uma lambreta estragada. Poderia ter dito um fusca, mas nunca tive nenhum dos dois. Que tal uma corrente de bicicleta que arrebenta quando você está descendo ou subindo um morro?
Imagine que quando criança tomei lá meu tombo de bicicleta descendo o morro e ainda suja de sangue catei as revistinhas e uma revista de fotonovela. Tinha no meio um romance destes de bolso. Tipo Corin Tellado. O nome da autora não deve ser exatamente este. Ninguém vai ficar esperando que até hoje eu lembre os nomes dos romances de bolso que eu já li né? Se esperar, sente-se numa cadeira confortável, pois minha memória é um rádio que às vezes apenas chia.
Cheguei em casa com a bicicleta, com as revistas e depois desmaiei. Ninguém entendeu nada. Estavam lá me dando água com açúcar e eu preocupada com a fotonovela e o livro de bolso, romance ainda não lido. Era tudo emprestado. Tinha ido buscar em alguns bairros distantes. O meu mundo de amor vinha dali... lá de casa é que não vinha... Lá em casa eram brigas e mais brigas. Brigas por causa das contas. Brigas por causa das cervejadas do meu pai, isso quando ele estava presente. E outras brigas a gente não entendia... Minha mãe reclamava das piranhas da vida. Lá em casa o amor era um retrato invertido. O amor era um desamor descabido.
- “O que aconteceu Marília?”
Era minha mãe e sua voz brava!
- Nada, não, mãe, eu cai no morro.
- Que morro que nada, menina, você desmaiou aqui agora!
- Mas eu tinha caído na metade do morro mãe.
- Você estava com quem? Está toda machucada e suja!
- Estava sozinha. Foi no morro sem calçamento que eu cai, mãe, cadê as revistas?
- Toda machucada por causa dessas bobagens?!
Eu gostava daquelas bobagens que lá em casa não existia.
Na última crônica da Zélia Maria Freire ela nos faz refletir sobre o que leva um escritor a escrever. Quais são os seus por quês? Durante a infância eu buscava na leitura uma forma de ilustrar o amor que eu sabia que existia. Hoje ao escrever o amor eu procuro despi-lo de seus pudores. Seja em seu lado que ama ou desama, afinal nem todo amor daria uma boa fotonovela. Nem toda telenovela mostra o amor como ele é de verdade. Se mostrasse, nenhum beijo gay seria proibido. Enquanto isso vocês ficam com aqueles finais de casamentos como símbolo de amor todo certinho. Certinho dentro dos quadrinhos das fotonovelas que nem sei se existem mais.
Quando passarem a fazer novelas sem final só em casamento, já se terá uma idéia do que o amor é em vários momentos. E o amor é o que não se sabe ao certo nem em seu princípio e nem ao fim. Talvez o amor fique melhor no sonho, no imaginário, pois no dia-a-dia o amor possui vários retratos, inclusive os descabidos, aqueles que não colocaríamos em porta retrato nenhum. Sim! O amor dói.
E é claro que nenhuma Isabela precisa morrer por conta disso. Será que há mais vilões fora das novelas do que na verdade imaginaríamos?
Quando penso nas pessoas que são contra ao projeto de lei que criminaliza a homofobia, os números dos vilões vão aumentando. Essas pessoas defendem seus direitos de continuarem a agredir e incitar crimes contra os homossexuais. Essas pessoas são a favor da diminuição do amor e do aumento da violência contra os que amam seja de forma padronizada ou não. A violência contra um filho de alguém que ama um outro filho de alguém seja de gêneros iguais ou não, é uma violência que fere o amor dos pais, dos irmãos e de famílias inteiras.
O fim deste caos só virá quando os próprios envolvidos em suas tramas de amor amarem pelo tempo que desejarem quem eles desejarem sem serem submetidos a chacotas, insultos ou anedotas. Pois é desta forma, com as pessoas podendo amar em paz que a paz, o amor, e a ordem manterão uma sociedade em que o amor beneficia a todos. Não fosse necessária a liberdade no amor, não existiria o divórcio, que não neste caso se trata de uma divisão de dores e bens, mas não de felicidade.
E por falar em divisões ando dividindo melhor meu tempo gasto com leituras aqui no recanto. Há pessoas que não leio mais. Percebo que há pessoas que procuram fazer a homofobia parecer uma coisa divertida. Então penso: divertido para quem? Será que as gangues quando saem pelas ruas animalizando virilidade e ao mesmo tempo fazendo jorrar sangue de inocentes, será que elas não acham isso divertido?
É por isso que eu prefiro falar de amor sobre todas as formas. Eu não compreendo o amor em sua forma apenas padronizada. Seria o mesmo que gostar apenas de filmes americanos e ignorar todas as outras culturas, mas de qualquer forma, quanto a este quesito eu acredito que a cultura americana nos mostre um retrato da cultura do mundo inteiro conforme já escreveu a respeito um colunista da Folha de São Paulo. Mas mesmo um retrato, pode ser visto de inúmeras maneiras. Afinal, há sempre um homem por trás das câmeras. E cada homem escolhe filmar o que ele vê ou o que ele acredita. Cabe ao telespectador a própria inteligência para ele guardar ou entender bem a mensagem que fica.
Quanto à minha, por menos que eu tenha lido clássicos, eu tenho que reconhecer que quem leu absorveu muito mais que eu. E para quem tenha percebido que não é a primeira vez que eu cito Zélia Maria Freire, é justamente por invejar todas essas viagens que ela fez enquanto eu me perdia com as bobagens de amor dos pequenos romances que às vezes, eu mesma escrevia.