REFLEXÕES DA ALMA FEMININA
REFLEXÕES DA ALMA FEMININA
Marília L. Paixão
O chuveiro tinha despejado sobre o meu corpo o primeiro jato de água fria e ele estremeceu. Tampei os olhos e protegi os seios com os cotovelos. Era o fim desta tarde e naquele instante eu pensei em milhões de mulheres. Pensei nas mulheres do Afeganistão. Pensei nas chinesas e depois nas japonesas. Pensei nas mulheres africanas e por fim nas mulheres norte-americanas. Na verdade eu pensei em todas as mulheres que sentiriam aquela mesma sensação de medo e impotência que senti. Sensação que melhorou assim que a água foi esquentando.
Finalmente voltei o olhar para o meu corpo nu. Este corpo de meia idade e ainda bonito dependendo das vistas. A verdade é essa. Toda beleza depende das vistas, dos olhos de quem vê e também dos olhos de quem vê e sente. Eu ando precisando cuidar de mim. Precisamos estar bem dispostos para as nossas próprias vistas. Quando a gente começa a se esconder do próprio crítico olhar é por que estamos desgostando do que estamos vendo. Ver e sentir são duas coisas distintas e que nos proporcionam prazeres diferentes.
Todos os dias nos olhamos e nos vestimos. Nesta idade gostamos mais de nos vestir que nos olhar. Bom mesmo é quando nos vestimos para nós mesmos, mas há hora para tudo. Há a hora que nos vestimos para o trabalho e há aquelas outras horas em que nos vestimos para algum evento rápido, longo, ou pouco desejado. Momentos em que além de vestir você acaba se calçando com seus calçados menos preferidos.
De qualquer forma, onde pretendo chegar com esta nostalgia? Com certeza não chegarei a nenhuma prateleira da Zélia Maria Freire, onde imagino que ela guarda com zelos vários dos seus clássicos. Eu me perderia em um daqueles pensamentos sábios e talvez não me reencontrasse se estivesse numa dessas ruas onde a lua me diria que todas as pipas já foram dormir.
Então olharia para mim a lua com cara desconfiada:
o que faz acordada por aqui? Ela perguntaria.
Eu diria: nada, não! Acho que no fim da tarde depois do banho, depois que perdi o ônibus, depois que custei a me devolver para a estrada, meu olhar já não via quase nada, mas eu fui trabalhar assim mesmo.
- Vá para casa! Não há o que fazer aqui.
- É que eu voltei a pensar em todas as outras mulheres do mundo, e fiquei pensando, quando elas se sentem bem tristes, será por falta de brilho ou falta de amor?
Eu me senti muito melhor depois que ela me respondeu sem nem pestanejar:
- Na maioria das vezes é por falta de descanso.
Conformei-me com a resposta ao imaginar as chinesas trabalhando, as brasileiras, as portuguesas, as mexicanas, as bolivianas, as americanas...
Foi então que voltei a pensar na Zélia Maria Freire. De onde ela tirou tanto tempo para ler tantos clássicos?
Talvez ela pertença à outra classe de mulheres que não constam na minha lista, portanto concluo essa crônica com o sábio pensamento de que vivi pouco e não li nada importante ainda. E se essa lua está mesmo certa, eu preciso de um descanso.