ANA ESPATIFADA NA TERRA ELEVADA
ANA ESPATIFADA NA TERRA ELEVADA
Marília L. Paixão
Naquela noite Ana tinha voltado do trabalho como quem tivesse recebido pedras do chefe. Ana sabe que pedras de chefe servem apenas para a gente pisar em cima e cuidar para não cair. Até os chefes são injustos quando não conseguem soluções para os problemas maiores. Os chefes deveriam aprender a primeiro subir por essas pedras que eles nos oferecem e deveriam tentar se equilibrar por cima delas e só depois de conseguir lapidá-las para melhorar o passeio, abaixar, escolher uma bem bonita e oferecer para a gente. Neste caso, se a gente achasse que a oferta estivesse sendo feita com carinho receberíamos de bom agrado.
E assim Ana voltou para casa pensando se não tinha reclamado demais, quando na verdade tinha colocado para fora apenas um pouquinho dos seus ais. Voltou para casa se sentindo menos estimada, mas com a verdade bem ali na esquina. A verdade de quem nunca será valorizada decentemente pelo que faz. Eram pensamentos demais na cabecinha de Ana. Sequer telefonou dizendo que chegaria mais cedo em casa. Desceu do elevador e a chave abriu a porta como um abre-te Sésamo e Ana só viu aquela correria. O que mais meu Deus lhe reservava aquele dia?
Como Ana não entendeu nada, correu atrás. João tentava esconder Pedro ou Pedro tentava esconder João? Havia duas pessoas na casa de Ana? Que confusão! As pedrinhas ganhadas do chefe já estavam mesmo ao chão. Ana não teve vontade de dizer nada para ninguém, sequer boa noite ou algum palavrão. Definitivamente, palavrão não. Ana sentou-se no sofá. Deixou a porta aberta para o que quisesse sair primeiro. Pensou na manhã daquele dia sem abraços de ursinho. Pensou na tarde onde alguém até perguntou para Ana se ela nunca tinha pensado que poderia ser uma golpista da vida.
Não, Ana nunca tinha pensado nessas coisas. Ana se preocupava demais com as coisas do coração para pensar em atingir tais muros. Ana nunca ligou para os números. No mundo de Ana, a vida ganhava letras e as palavras eram a sua brincadeira de roda favorita. Ana nunca foi de ficar contando peixes. O amor tinha que ser a razão e este pertence a um kit cheio de princípios onde importa-se com os meios. Talvez Ana deveria ter interrompido o seu dia ali. Estava bem claro daquele ponto da conversa que as bolas de natal eram de um centavo cada e todas quebrariam muito rapidamente. Não havia trufa nenhuma. Talvez aquela fosse à indicação de que o dia seria péssimo, mas Ana fica sempre fazendo coisas com as letras...
Muitas vezes Ana consegue transformar as letras em trufas. É isso que faz Ana sorrir para cada novo dia que começa. E no dia seguinte não ganharia pedras de ninguém. No dia seguinte não ia ter correria quando chegasse a casa. João estaria só sem o Pedro. Pedro não estaria mais com João. E a palavra maior ia continuar inspirando Ana. Uma coisa Ana sabia. Neste ano não decoraria árvores com bolas vermelhas. Compraria logo um monte de trufas vermelhas e amarraria nos galhinhos e pronto. O mais importante era não abrir mão do poder das palavras. Com elas Ana conseguiria modificar muitas coisas. Não que João ou Pedro fosse modificar. Também palavras não são para fazerem modificações desta natureza por mais que o jornal diga isto ou aquilo.