A venda do LAR

A venda da casa começou com um contato para saber do interesse do proprietário em vender o imóvel. Junto, o vizinho, de lote menor, querendo parceria para valorizar o seu, claro. E, mais claro, o comprador que também obterá mais lucro. E assim começam as propostas.

De boca, vem o ‘pagamento a vista’. Tentador.

Vou vender, decidiu o marido, que se sente o dono do casal, que só pode ser formado por dois indivíduos com pensares diferentes e que se ajustam para trilhar juntos esta jornada. Mas pelo arquétipo, pensa que a mulher deve ceder seu pensar, ou melhor, implantar o seu pensamento de marido em seu cérebro tão distinto. Mil são as justificativas, ditas plausíveis, inconvincentes. Pré-estabelecidas, prejulgadas necessárias para que se venda a casa.

O 'pagamento a vista' vira ‘um apartamento e o restante a vista’. Mas aí a cobiça pelos números já cresceu. Vou vender assim mesmo.

O resto da família pondera. Procuram-se imóveis. Sair de um precisando de algumas melhorias, porém de que se sabe os defeitos, e que é bonito, bem acabado, para um mais velho, precisando de muitas e muitas reformas, com defeitos escondidos, até ardilosamente camuflados, é absurdo. Impossível. Vasculham por aí. Em vão. Porque vender para não lucrar nada também é burrice. O lar já está alicerçado ali. Numa rua tranqüila, perto de supermercados, farmácias, sacolão, padarias, praças, comércio de vestuário e de outras conveniências a passos. Relacionamentos. Sair e perder toda esta comodidade tem que ter seu preço também. Afinal, por décadas foram habituados a ela. O entorno conta. É parte do lar.

Mudar de uma casa para outra pior é como aquela estória que sempre dizem – ‘Não se case para piorar de vida.’

Nesta estória tem alguém fazendo sua felicidade sobre a infelicidade de alguém. É o capitalismo. Ri por último quem lucra mais. E como ri! Como crocodilos comendo a presa. Choram de felicidade.

E o homem já deu sua palavra. Imagine, ter de desfazer o negócio?! ’Com que cara vou ficar? Não, vou vender’. A cara no lar pouco importa. Já falou e repetiu seus motivos.

Aí, vem a facada final. Não vai mais haver nenhum dos pagamentos combinados. Mas será 'a vista, com pagamentos em prestações'.

Tente alguém entrar numa loja, dizer que vai pagar a vista e fazer um monte de cheques e virar tudo em muitas prestações estipuladas por ela. Não levará a mercadoria. A não ser com juros. Juros, lógico, esse alguém não pagará, afinal combinou a vista, só que é a ‘perder de’ vista.

Pois é, foi o que aconteceu.

Pagar a vista em prestações que o interessado na compra pelo imóvel sujeita o vendedor, tão preocupado em lhe servir que acha justo. Justíssimo.

Ainda mais que o homem tem a palavra dada. Prejudicar terceiros, jamais! A família não é terceiro, mas dependente. E sofre o dano.

Decide até aceitar a proposta vil. Parece até agradecido. Como se estivesse com a corda no pescoço, prestes a pedir esmola. E o outro, o seu filantropo. Já não é por acaso que em espanhol ganancia é igual a lucro...

A mulher ainda vacila. Mas ele convence o interessado a lhe dizer que o preço que está pagando está acima do mercado. E compara com outros negócios em que pessoas perderam. Que o mercado está expandindo-se para outros lados e que o lote (a casa, o lar já não existe) apesar de em região nobre vai perder o valor (será?), e ela será responsável pelo prejuízo que vão sofrer. Propõe-se até a ajudar procurar algo a que se ‘adaptem’. Tudo pelo vil metal. Quer dizer se ela não é a razoável, então é a ruim da estória. Ela está prejudicando a família e o negócio de terceiros. E olha que ela estava quietinha em sua casa. Nem saiu para arrumar esta encrenca. A encrenca chegou por telefone, via marido.

A mulher muda de quarto. Os filhos não tomam partido. Desde que continuem tendo um teto...

A mulher descobriu – não tem dinheiro para comprar a parte dele, então tem de vender. Começa a odiar a casa, o lar perde sua cor, seu vigor, seu sentido de ser. Sepultada a felicidade, resta a mágoa. Quem liga?...

Vender o que agora é lote não significa construir sonhos, reavivar ilusões, mas cumprir promessas, fazer bonito a quem nem liga para o espírito da coisa, desde que o resultado saia a seu favor.

Ela não quer mais a casa, digo o lote. ah, as hienas da humanidade farão nele um prédio de muitos e muitos andares. Risos que se ouvirão jamais consolarão as lágrimas presas no tempo.

Ela tem vontade de abrir a porta e sair como uma dessas pessoas que saem para comprar cigarro e não voltam.

Sumida no mundo, há o recurso da morte presumida.

A casa será vendida o mesmo modo...

E ela não fuma!

Lavam-se as mãos os Pilatos da vida.

Angela Togeiro desde Belo Horizonte/MG