Pobreza não é defeito
Pobreza não é defeito
É muito difícil descrever uma casa de caipira. A minha era assim. Uma casa de brasileiro. Brasileiro mesmo, desses que moram no interior do interior. Daqueles que só vão à cidade em época de política ou pra vender queijo na festa. Desses que guardam dinheiro dentro do colchão.
Geralmente são muito simpáticos, gostam de uma boa prosa. Falam alto. Cospem no chão sem cerimônia. E não titubeiam em dizer palavrões. Dentro do ônibus é um deus-nos-acuda. Gritam como se estivessem falando, ou falam como se estivessem gritando.
− Dia cumpadi, capô o cavalo?
Logo que chegamos nas suas casas já vemos a parede cheia de santinhos e retratos. Retratos de todos os parentes em volta dos avós. Retrato de mortos dentro do caixão, de cavalos, cachorros e galinhas. Na sala, sobre a mesa uma calota de carro brilhando, como um troféu de tênis, ao lado de um vaso de flor plástica que até já perdeu sua primitiva cor. Na prateleira ou sobre a cristaleira cheia de copos de massa de tomate, vários litros de licores, com várias formas, litro mesmo, ovalado, redondo, sei lá. Cuja validade acabou. Um ou outro bebe o conteúdo e enche de água colorida. Na parede da cozinha em meio à fumaça do fogão à lenha. Vamos encontrar um pano de prato com a caricatura de um leão. Mais parecendo um cachorro magro. Em baixo uma inscrição, muito mal bordada e cheia de erros: “O LIÃO É UM ANIMAU FEROS”. Com o “S” virado ao contrário.
Quando se mudam dá tristeza de ver. Mal encosta o velho caminhão à gasolina, já vêm seus filhos querendo ajudar. Nessas mudanças existe de tudo. Metade de um pneu que é para servir de bebedouro às galinhas. Enorme lata cheia de terra empedrada, com uma planta seca no meio. (“Foi presente da Dona Maria!”). Uma velha peneira de taquara furada. A cama amarrada com arame. Enormes colchões de palhas com uma mancha amarela de urina no meio, como se fosse a Bandeira Nacional. Dois urinóis esmaltados e descascados. Chapa de fogão comida pela ferrugem. Várias panelas pretas, como se fossem de teflon. Enxadas gastas. Foices gastas. Cabos de vassouras e de enxadas. Várias varas de pescar. Rede de pesca. Uma velha espingarda de carregar pela boca. Uma gaiola com papagaio dentro quase sem pena. Depois ainda, um rebolo de pedra. Um velho pilão rachado. Muitas trouxas de roupa. As latas de guardar mantimentos, todas amassadas. Malas de fibra. Bacias de alumínio gigantes, com fundo de madeira, que serviam para lavar roupa, lavar defuntos, amassar o pão e fazer a macarronada de domingo. Um enorme torrador de café. Máquinas de costura. Grandes mesas de pau-a-pique, cadeiras com uma só perna, brinquedos etc.
A recepção na casa de um interiorano brasileiro é com um café. Este café é servido em canecas de alumínio cheia até a boca. Adoçado com rapadura. Em algumas casas a dona da casa oferece doce de mamão. Uma tigela cheiinha. Da qual você deve precaver-se. Ela lhe pergunta: “gostou?” Se a resposta for afirmativa, vai ter que comer mais.
Theo Padilha