ANA NA TERRA ELEVADA
ANA NA TERRA ELEVADA
Marília L. Paixão
Ana acordou normalmente em sua manhã de acordar com os pássaros sem pássaros e recebeu uns amassos como se fosse o ursinho de pelúcia preferido de alguém. Parecia muito feliz o ser que dava abraços gostosos em Ana. E Ana pensou que a manhã prometia e embora sonolenta pôs-se a tomar seu rápido café sozinha e foi logo trabalhar um pouco.
Depois Ana que achou o trabalho mais chato que de costume, voltou para a casa vazia onde não mais teria abraços de ursinho e conectou-se. Ali dentro havia um mundo lá fora, pensou. Foi ler os amigos e depois começou a checar os e-mails. Ana não se lembrava fazia muito tempo do efeito de poucas palavras lhe fazerem tanto sentido como aquelas tão sem maldade e tão puras e tão enriquecidas com algo que Ana não sabia o que. Foi então que se lembrou que na noite anterior tinha demorado a dormir pensando nas mesmas simples trocas de palavras.
Ana tinha dormido querendo sorrir por se lembrar. Há palavras que qualquer um pode escrever para qualquer um, mas aquelas palavras pareciam vindas de uma seara encantada. Mas Ana tinha ido dormir deixando para lá mesmo se sentindo uma boba. Mas agora as palavras estavam ali de volta. Estavam cada vez mais fresquinhas e a dona das palavras estava ali pertinho. Elas eram dela! Aquelas palavras eram para ela e lhe pertenciam assim como aquela alegria interna e sapeca que parecia tomar um pouco do ar. Ana suspirou e achou que o ar estava branquinho.
Assim que as palavras foram ganhando mais força Ana passou a senti-las. Se bobeasse aquelas palavras seriam capazes de despi-la. Ana então se certificou que estava bem vestida e que nada se soltaria fácil de dentro dela. Até calçada Ana estava e calçada permaneceu. As sutis palavras começaram a virar concreto. O coraçãozinho de Ana estava entrando em alvoroço. Ana se lembra de ter sentido assim também quando num dia nas lojas americanas ela viu um monte de bolas vermelhas e gritou: trufas! Mas quando chegou mais perto eram bolas de natal. Bolas vermelhas! Ana adorava umas trufas vermelhas que tinham nas lojas americanas.
Ana precisava tomar cuidado com falsas trufas, mas aquelas palavras lhe lembraram as trufas verdadeiras. De pequena Ana nem sabia o que trufas eram. Passou a conhecer trufas depois de uma coleção de anos. A mesma coisa foi com certas frutas. Ana não sabia se podia ser ousada mas não resistiu e ousou. Trocou umas palavrinhas com a palavra maior que lhe ouvia e encantou-se. Não tinha mais poder para querer sair dali e esperou até que a palavra maior lhe mandasse embora. Ana foi se sentindo grande e ao mesmo tempo pequena. Ana achou que aquela fruta deliciosamente imensa. Talvez fosse um ovo de páscoa do tipo que quebrasse fácil. O ideal seria não encostar em nada e sonhar apenas com a parte de dentro sem sequer tocar na parte de fora.
Ana teve vontade de chorar e chorou. A palavra maior percebeu que alguma coisa tinha acontecido com alguma palavrinha. Ana queria engolir a saliva ou morder a língua por uma má palavra mal usada, mas já era tarde. Se alguém pudesse bater em Ana por ter dito aquilo ela nem se importaria de apanhar. A palavra maior disse ter perdoado, mas era tarde. Ana queria morrer por não saber ainda usar as palavras direito, mas era tudo fruto de um sonho e Ana também não queria acordar.
Ela era uma Ana do tipo que não beija coração, também não pede beliscão para ver se é coisa de ilusão, deixou-se no sonho beijar. A palavra maior gostava de dar beijinhos e lhe falou de beijos mais de uma vez e Ana sentiu-se com as emoções protegidas, como se não tivesse problema sonhar.
Mas como o dia dura pouco e não era nenhuma meia-noite de cinderela com charrete cheia de abacaxis e bananas na calçada a tal da despedida das palavras começaram a atormentar. Nenhuma palavra parecia querer ir para lugar nenhum. Pareciam querer fazer parte do mesmo caminho seja para o amor ou para o frio, para o sol ou para o abrigo, para o fim do sonho é que não.
A palavra maior mil vezes mais sábia deu um jeito para que Ana voltasse para sua calçada. Ana olharia então para a charrete se sentindo um bichinho de goiaba mas não proferiria nenhuma palavra má. Lembre-se do sonho Ana! Nada de palavras malditas. O melhor do sonho é o que fica. Foi assim que desconectou-se para também ir embora sem charrete nenhuma.
Enquanto tomava banho pensava que tinha dito que não era livre, mas o coração sim, devia ter dito! O coração sim! Devia ter gritado enquanto agora só lhe restavam as lembranças daquela manhã e o fogo daquele princípio de tarde. Não é o coração que vale?
Ana prometeu-se ser menos impetuosa com as palavras. Ana está querendo aprender a escrever como gente grande e poder desfilar no mundo das letras com seus sonhos e tudo. Ana quer ter ao seu lado a palavra maior como relíquia primeira dos mais sagrados dos cofres. Mesmo se ela não puder destrancar o lado de fora e apenas sonhar com o lado de dentro. Ana acha que todos podem ser felizes por um momento e se ela pudesse manter o sonho, inclusive ela, feliz seria.