AVENTURAS E DESVENTURAS DE UMA PROFESSORINHA

Minha mãe,formada pela Escola Normal,aos 17 anos,cismou de ensinar no interior da Bahia,isso na década de 30,quando Lampião,o rei do cangaço,aterrorizava o sertão.Meu avô,homem extremamente conservador,nem queria ouvir falar nisso,mas,não sei como,minha mãe,frágil,tímida,mignon,e,muito obediente,conseguiu ao consentimento.Assim,ela e minha avó,tomaram a “Maria Fumaça”,na estação da Calçada,rumo ao seu destino,a cidade de Jacobina,lá onde o diabo perdeu as botas e o vento faz a curva,como se diz.Tres dias para chegar em Jacobina,com baldeação em Santa Luz;e ,mais um para chegar em Miguel Calmon,remota cidade do interior,perdida nos tempos ,além de mais um dia á cavalo,até a Fazenda Brejo Grande,reduto dos Oliveira,ponto final dela.Meu avô,Antonio Jerônimo,sabedor da vinda da “fessorinha”,não poupou esforços para busca-la,lá na Sede.Escolheu o melhor cavalo,manso,bom de trote,que seria ao montaria das recém-chegadas,sela própria para mulheres,que sentavam de lado,pois damas não usavam calça comprida;como complemento,um cochonil bem macio,esporas de prata,fortes rapazes para escolta-las,pois os cangaceiros andaram por ali,descendo a serra do Tombador e tinham que estar preparados para o pior.Chegados á Fazenda,minha mãe se  encantou com tudo, novo para ela:a casa de farinha,o engenho,o pomar,o rio,o curral,a casa grande com mais de dez quartos,uma mesa de refeições,onde caberiam,sem apertos,uns trinta comensais,o povo simples e amistoso,para quem professora era uma espécie de deusa do saber,respeitada e mimada por todos.No dia seguinte ela assumiu a classe;classe essa composta de adultos ,alguns com mais de trinta anos,que não sabiam ler nem escrever.A matrícula foi hilária;minha mãe perguntava a data de nascimento,mas,ninguém tinha registro,nem certidão,nada,então diziam:-êle nasceu quando o veio Jerônimo levantou a cumeeira da casa do Barreiro;pacientemente,minha mãe perguntava ao meu avô  sobre o sucedido e,ele respondia:-ah,foi em outubro de ´27;minha mãe colocava que o cabra nasceu em qualquer dia de 1927,outubro.Outra chegava meio constrangida,pois tinha perdido o “assento” e não lembrava de nada;assento era o papelzinho onde se assentava as datas familiares;Oe melhores de vida,anotavam na Bíblia,criando um novo Gênesis.Se minha mãe queria saber de vacinas,respondiam:-no tempo da vourilha(varíola)ele foi avalcinado,adespois disso mais nunca.Apesar do respeito pela professora,havia garotos que não gostavam de estudar e queriam era viver pelos matos,pegando passarinhos,livres,leves e soltos,subindo nos umbuzeiros ou raspando mandioca para fazer farinha .Assim,fugiam da escola e não aprendiam nada.Um deles era o Fulgencio,garoto levado,ágil como um cabrito,que se sentava no fundo para fugir mais rápido.Um dia,chegou o Inspetor,que veio ver o progresso da classe;minha mãe preparou todos direitinho,a lição era  de Historia,descobrimento do Brasil;como o diabo arma,o Inspetor escolheu logo o Fulgencio,por ser o menorzinho da classe,para responder:-Quem descobriu o Brasil?

O garoto,nervoso,acostumado a ser culpado,com razão,se (quase)todos os mal feitos,respondeu;

-Nun fui eu Sr.Inspetor,eu juro.

O Inspetor insistiu na pergunta,ele negava,minha mãe vexada,chegou a mãe do garoto,ouviu a demanda e falou firme pró Inspetor:

Foi ele ,sim,doto;esse minino é assim,faz as coisas,depois nega,tem a boca dura.

Quatro anos depois minha mãe se casava com meu pai,eu nasci em Salvador,mais voltei prá fazenda com três meses de idade,vivi lá até meus oito anos(ai que saudades que eu tenho...)e minha mãe ensinou lá quase quarenta anos;foi Diretora,Delegada Escolar,e,se alguém quiser contar quantos  alunos ela ensinou as primeiras letras,que conte os fios dos seus cabelos brancos,que hoje repousam com Deus.

Miriam de Sales Oliveira
Enviado por Miriam de Sales Oliveira em 15/06/2008
Código do texto: T1035200
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