A Personificação do Óbvio
Até parece que o sonho se tornou pesadelo e o pesadelo se fez real. Até parece que somos capazes de orar e ainda oramos para um ser invisível, onisciente e tão longínquo.
Certa vez, o óbvio se personificou nos olhos das crianças famintas da África, das pobres crianças escravas dos diamantes da Índia e nos pequeninos que carregam armas de fogo pelas vielas no Rio de Janeiro... Mas já estava óbvio demais, ninguém queria aquilo tão presente no dia-a-dia do mundo globalizado. Restou orar para o óbvio ir embora e o deus da cegueira nos dá uma nova visão mais perfeita daquilo que julgávamos tão incoveniente.
Aí, o sonho se tornou pesadelo. Quem havia orado, se viu preso à uma lama invísivel, assim como o ser longíquo e onisciente. "De onde vem tanta sujeira?", perguntavam-se na madrugada fria que a primavera comuflou em inverno. Ninguém sabia de onde vinha o muco social que agora se alastrava pelas ruas, pelas Áfricas, Índias e vielas cariocas do mundo inteiro. "Meu Senhor da Cegueira, nos dê a razão, a luz...", gritavam nas ruas, antes, ladrilhadas com ouro dos tolos impotentes de pensar. O deus não ouviu.
Nesse interím, o óbvio se repersonificou nos olhos dos cegos. O muco. A lama. Tudo se tornara tão parte das ruas que ninguém havia se dado conta. Toda a gente que passava por cima da lama social da decadência, gente que não estava nem aí para o mundo ao redor, mas o para o seu próprio.
O óbvio se tornou um véu que não os deixava em paz...
Até parece algo que nunca nos aconteceu. Mas, este óbvio é parte de nós agora... Ele dói, ele grita e chora quando nos deparamos com seus sintomas pelo mundo afora. E não fazemos nada? Não.
Hoje, o óbvio é um mero detalhe diante do poder de um novo deus: impotência.
E assim vai... O mundo se torna um antro de desajuda, de desamor. Nada mais na visão além do óbvio sendo ignorado e deixado para trás pela impotência...