Vida após vida

Nunca fui adepto de bisbilhotar a vida alheia nos moldes dos fofoqueiros de plantão, que, por terem normalmente uma existência superficial ou vazia, elegem o outro como referência para tudo. No entanto, tenho que confessar que sempre adorei analisar personalidades a partir de flagrantes de conversas captadas sem intenção.

Um grande amigo do Rio Grande do Norte, que tem paixão pelas palavras e mais ainda pela possibilidade de “inventá-las”, conseguiu nomear essa curiosidade despretensiosa pelo pensamento alheio. Ele a chamou de “curejar”. Não sei de que cartola ele tirou esta palavra, mas desde então a uso na prática.

E foi numa viagem de ônibus que fiz há algum tempo pelo interior da Bahia que “curejei” a conversa de dois rapazes que sentavam logo atrás da poltrona onde eu estava. Pelo que pude deduzir, ambos eram estudantes universitários.

Num determinado momento, após debaterem sobre a situação política do país – estávamos no ano de eleições presidenciais (a que Lula foi eleito pela primeira vez), os rapazes entraram num assunto que deixou minha atenção bastante aguçada. Afinal, não é a todo momento que se ouve, numa viagem de ônibus, uma conversa sobre o pós-morte.

Um deles foi categórico ao dizer que não acreditava em vida depois desta vida. Pelos comentários acerca de sua leitura mais recente (ele se declarou entusiasmado com “O Capital”, de Karl Marx, que havia ganho de presente de um companheiro de partido), imaginei que se o rapaz teve um dia alguma religião, estava no auge do rompimento com ela.

O outro, assumidamente católico, contestou o posicionamento do colega e ressaltou que não fazia sentido tudo terminar nesta existência; que Deus não havia nos criado para viver apenas uma temporada. “Quando você morrer vai ficar decepcionado ao descobrir que não existe mais nada”, retrucou o primeiro, em tom de zombaria e com certo ar de superioridade.

Naquele momento me segurei para não rir e para não me intrometer no já acalorado debate. Quase saí da minha condição de mero “curejador”. Percebi que o aprendiz de “comunista” não se deu conta do que tinha acabado de falar, na ânsia de fazer valer o seu ponto de vista. Ele se esqueceu de pensar que se não houver vida após a morte também não haverá alguém para constatar esse nada, muito menos para se decepcionar com tamanho vazio.

A conversa dos dois jovens – com muitas idéias ainda em formação e em conflito – me fez perceber o quanto continua intrigante o maior mistério da vida: a morte. Como para mim não há sentido pensar na hipótese de não haver outra forma de existência após esta passagem pela Terra (afinal, se houver apenas o nada, não haverá nada o que se possa fazer), me concentro em viver sob a tese da imortalidade da alma.

Nessa teoria o mistério continua, mas somente enquanto o tipo de vida que virá. A própria odisséia terrena, sob essa ótica, ganha um brilho esfuziante. Para os que acham que o desfecho de tudo se dá aqui, o saldo é bastante negativo, principalmente na balança que pesa a felicidade. Ao contrário, os que crêem na continuidade da estrada saberão que até as quedas que tiveram contarão para o balanço positivo.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 23/05/2008
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