Desatando nós
Quando saí de casa foi um Deus-nos-acuda. Choradeira de um lado, justificativas de outro.. e eu indo por aquela porta que parecia pequena demais pra guardar os meus sonhos.
Minha mãe, com os olhos rasos e incandescentes, não sabia se rezava pela minha sorte ou agradecia pelos novos rumos. Brigávamos muito. E, afinal, meu novo emprego em outro estado traria novas oportunidades.
No início fui embora devagar. Na verdade fui me mudando já na adolescência, quando passava os finais de semana na casa de um namorado. Muitas vezes roupas e pertences e muita coisa além ficava por lá.
Decididamente, o emprego veio a calhar para a paz doméstica.
Aspirações, sonhos, angústias e perseverança me impulsionaram a ir em diração ao nada com uma muda pequena de roupas, como uma retirante. Me senti Sinhá Vitória, naquela estrada de chão interminável.
Novas mudanças, novos desates. E fui levando sapatos, alguns casacos, uns cds que eu amava... E fui me levando também. Acabei por me sentir parte de um novo mundo, e por experimentar uma nova situação: visita em minha própria casa. OU na casa dos pais? Talvez não importasse nos primeiros meses...
Um dia veio o caminhão de mudanças e levou tudo: colchões, tralhas, quinquilharias, telas, fotos e pedaços de mim. Dessa vez eu só vi uma lágrima suspirante da minha mãe, como quem sente que aquela esperançazinha de que eu voltasse se esvaiu.
Visitas, voltas... Agora eu era realmente visita, tratada como tal: cerimônias, comidas especiais, bajulações de primos e vizinhos. Uma pessoa importante, que morava lá no fim-do -mundo. Por fora, princesa. Por dentro, pedaços. E a minha gaveta, aquela que eu achava que seria sempre minha, ocupada por tapetes e panos velhos e sujos. Definitivamente... desatando-nos!