Corações de Papel
Escrevo-te estas mal traçadas linhas meu amor... Assim era o início de algumas cartas e de uma canção. Cartas? Interrogam-se os mais jovens. Houve um tempo em que as pessoas, à distância, se comunicavam, epistolarmente. Nada era instantâneo. Biblicamente o termo é caro. Era a forma como Paulo se comunicava com comunidades distantes, para espalhar as boas novas.
Do lado profano, uma longa distância geográfica era encurtada pelos escritos, embora a dificuldade de falar com alguém, mesmo perto, também fosse motivo para um bilhete, muitos entregues às escondidas, embora tantos outros chegassem (e como eram esperados...), pelas mãos dos carteiros. No envelope, além das palavras aquecedoras, por vezes a pétala de uma flor, a folha delicada de uma planta, eram a cereja do bolo, fazendo companhia às palavras que cintilavam paixão. Até motivava cantorias, com o anúncio da chegada do carteiro, gritando o nome e com uma carta na mão.
Mas falo das cartas de amor e, assim sendo, no dizer do poeta, “ridículas”, que ganham nova forma pelas mãos de Nelson Motta, em seu recente livro, Corações de Papel. Nele, as missivas escritas, ao longo de 1965, partindo do Rio de Janeiro, São Paulo, e de algumas cidades europeias. A destinatária, Ana Luisa, sempre numa cidade da Europa.
Embora ela seja identificada no romance epistolar apenas como Ana Luisa, a modernidade me levou a encontrá-la (vivas ao Dr. Google), como sendo Ana Luisa Escorel, autora do premiado Anel de Vidro, considerado como o melhor livro do ano pelo Prêmio São Paulo de Literatura de 2014, qualidade que comprovei na leitura.
Ele, mesmo dispensando apresentação, convém dizer: É o Nelsinho Motta da música, do teatro, da televisão, dos livros, dos shows. O novo romance, aquece os nossos corações, nada de papel, igualzinho ao seu, repleto de amor. Amor transmitido em suas cartas da juventude atravessando o tempo, ativando a imaginação dos leitores, mesmo dos que não viveram a época da troca de cartas, sem saber o que é a espera por notícias para ler, ouvir, imaginar um eu te amo. Uns rasgam e queimam as cartas, para não sofrerem mais, como disse o poeta. Outros, assim como Ana Luisa, guardam por 60 anos e, o que era só para dois, acaba servindo de lição de amor para muitos.