Imitar e fingir para mentir e viver

Somos o poder aquisitivo do Estado. Párias corroboradas por discursos altamente consistentes, elaborados graças à despolitização e alienação sistemática do homem brasileiro. O Estado nunca foi o motor do crescimento econômico, como escreveu Fernando Henrique Cardoso em seu livro “A miséria da política”. O homem brasileiro bestialmente sobrecarregado pelo peso do Estado é quem é este motor. Para tanto temos instituições regidas pelas afirmações inconstantes de lideranças com o mundo das leis. Quatrocentos e oitenta anos antes de Cristo, Platão já denunciava os rumos da República. Quinze de novembro de dois mil e vinte e quatro completamos cento e trinta e cinco anos de república: primeira ditadura do pai fundador, o próprio Deodoro da Fonseca (1889–1891), em seguida a de Floriano Peixoto (1891–1894), Estado Novo (1937–1945) Getúlio Vargas e o Regime Militar (1964–1985). Suprimir os direitos individuais é a arte política das elites. A consolidação do povo miserável e faminto ao largo de tantos anos permaneceu invisível como o anel de Giges. Esses regimes de exceção tiveram o seu Estado e a sua Justiça, para consistência a passagem do tempo. Teriam menos escrúpulos os senhores do Estado para com as injustiças? A república virou um regime de processos sobre o indivíduo processado na máquina de virar dinheiro no vale tudo da existência. Ah! É obrigatório conhecer às regras! O regime dos grandes colegiados termina nas imensas penitenciárias de cunho medieval. Mais de setecentos mil presos. A realidade nacional sempre foi obra da imaginação filosófica. O indivíduo com suas cadenas possuem regras em vez de princípios.

O Brasil é um bem que pode ser fingido, pois nem a educação, nem a justiça, haverá de legar a posteridade melhorias fundamentais. Por quê? Primeiro: onde falta educação, sobressai à justiça. Chamamos erroneamente de “educação” o fenômeno ligado aos ambientes escolares. Neles mal construímos as noções gerais de quem somos no mundo entre piadas e insolências. Vivemos estacionados no grande universo elaborado das imagens. Todo o fluxo de abstração útil para transcender é retido e arrastado pela correnteza das imagens, coordenando o comportamento de milhões de brasileiros para o grande mercado. O crime começa na ausência de emprego para todos, e na ambição desmedida de objetos, marcantes para se possuir uma personalidade superior, próxima da falsa liberdade. A economia incentivada por imagens, enquanto a indústria do entretenimento, mantém os romanos fiéis aos seus deuses na terra. A imitação e o fingimento são a base e essência da nossa cultura.

Hoje falamos demais por imagens, pensamos demais por imagens, destruindo nossa capacidade de análise. O carteiro não poderá enriquecer com o fruto do seu trabalho, o professor também não, o enfermeiro do mesmo modo. Para tanto vazio inventaram a sorte. O ganhe um milhão! Aposte! Você vai ficar rico em um segundo e se acreditar enlouquecerá por toda a vida. Restolhos da fuga da lógica para a exceção do mágico milagre.

Decerto é necessário confessar aos arautos do poder que a revolução cultural está no aumento significativo dos salários dos professores e não na especulação da eterna especialização. A educação prescrita serve para obscurecer as sujeiras do cotidiano, dos arranjos em surdina, da militarização cruel das ruas, porque é preciso devolver a dignidade ao argumento corrompido pela política. Nosso modelo eleitoral só parece evoluído porque vivemos sobre o jugo de muitas tiranias. Um país instruído escolheria certas obrigações do Estado sem o jogo obscuro de repasses para a construção sólida de bem-estar social numa arquitetura real de desenvolvimento. Mas nosso choque se traduz na repetição entre qualidade e quantidade. A tecnologia acomoda-se com perfeita nitidez entre a injustiça perfeita mais lucrativa e o justo imperfeito premido pela ausência de respectivos ganhos. Enquanto os presidentes viajam como heróis globais, acabam por criar oportunidade para tiranos oferecerem aos mais humildes as baionetas da tirania. O ingênuo de espírito é devorado pelo vivaz.

Professores aposentados deviam confessar a realidade material longe da espiritualidade de aparência que a pobreza faculta. Quem viu a pauta de professores aposentados nos grandes meios informativos? Quantos professores aposentados estão vivendo na rua da amargura? Velhos, doentes e pobres. E mais: se a aposentadoria tiver sido por invalidez, ele deverá gastar a comida nos médicos e farmácias, porque está proibido por lei de trabalhar em outras funções: como ser escritor, por exemplo. Viverá? Ele está aniquilado pela lei. Deverá indenizar o INSS, devolver tudo que já era seu, para o caixa que finge ter lhe dado. Governo nenhum dá nada para alguém, ele apenas devolve com honrarias e faixas o que já era do povo. Mentimos o suficiente para manter a promessa de vida gloriosa. No fundo, vencem os atletas, os imitadores, poetas, cantores, jogadores, fingidores. A moeda de carne e sangue dos médicos milionários nos hospitais fracassados vence a abstração utilitarista entre a carne e os vermes.

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Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 07/11/2024
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