ESPELHOS DA ALMA - Por Carlos Lopes
O que geralmente encontramos em todas as cidades que conhecemos, é que o centro da cidade tem como marco principal, uma igreja católica, mas na cidade de Magno Aquino, esse costume não foi respeitado, o centro da cidade era marcado por uma luxuosa mansão, conhecida como “o grande purgatório”, porque mais da metade da cidade já havia trabalhado lá em algum momento da vida e ninguém permanecia, era um lugar só de passagem e poucos eram os que saíam de lá sem alguma marca, sem uma história inquietante para contar. Alguns descreviam a experiência como fascinante, outros como perturbadora, mas todos pareciam concordar em uma coisa: sair da mansão era como despertar de um sonho, ou de um pesadelo, carregando consigo os vestígios de algo inexplicável que se recusava a ficar para trás.
A mansão era uma construção neogótica imponente, com pedras escuras e gárgulas sombrias que adornavam suas torres, elevando-se como se quisessem tocar o céu. À entrada, uma colossal estátua de pavão em bronze e pedras preciosas simbolizava a vaidade, refletindo uma beleza opulenta e inatingível. As portas, entalhadas em ouro e prata, abriam-se para um hall de mármore negro com colunas ornamentadas, onde um imenso lustre de cristal rubi e ouro irradiava luz, refletindo um brilho luxuriante por todo o salão, enquanto escadarias em espiral levavam aos quartos superiores. Cada quarto era a própria representação da ostentação, com tronos, espelhos e símbolos de conquista que expressavam luxúria, cobiça e orgulho, em um espetáculo de decoração elaborado para transmitir poder e dominação.
No salão principal, uma mesa de banquete estava repleta de iguarias intocadas e taças de cristal, simbolizando a gula e a avareza, com pratos de um luxo reservado apenas ao prazer de serem vistos, não consumidos. Espelhos dourados e móveis de veludo davam ao salão uma aura de riqueza extrema, enquanto uma lareira de mármore negro irradiava uma luz quase ameaçadora. A biblioteca, vasta e com prateleiras de livros raros, seria motivo de inveja para as maiores universidades, um santuário do conhecimento mantido apenas para aqueles que se dignavam a subir ao poder. Os jardins ao redor da mansão eram meticulosamente simétricos, exigindo um zelo detalhado que simbolizava a disciplina sobre a preguiça, e continham uma fonte de mármore branco que jorrava água cristalina, espelhando a intensidade de ira latente no ambiente. Essa mansão era um verdadeiro templo dedicado aos pecados capitais, uma obra de arte sombria e requintada, construída para refletir a essência de seus habitantes.
A mansão era um monumento de opulência, grandiosa e exagerada para abrigar tão poucos moradores. Lá viviam a misteriosa Senhora Luci Feraz e seu marido, o senhor Ivan Berbatov, embora todos na cidade o chamassem simplesmente de Sr. Berba. Conhecidos por sua fortuna e estilo de vida reservado, o casal criava seus seis filhos, cada um com uma personalidade marcante e um nome que parecia refletir a essência de suas atitudes. O primogênito, Orgulho, era seguido pela irmã Vaidade, e pelas gêmeas Vanglória e Arrogância, cuja rivalidade era tema de constantes rumores. Depois delas vinha Prepotência, o quinto filho, sempre em busca de se destacar, e, por fim, o caçula, Presunção, cujo comportamento precoce já fazia jus ao seu nome. A cidade, fascinada e intimidada, observava de longe essa família que parecia viver num mundo próprio, onde o luxo e a estranheza se entrelaçavam em cada detalhe da mansão.
Mas uma coisa era certa, passar pela mansão e não se perder em algum detalhe da construção, ou ser atraído pela presença enigmática de seus moradores, era quase impossível. Afinal, somos humanos, diziam muitos ao tentar explicar o fascínio irresistível que aquela casa exercia. Para quem já havia cruzado suas portas, percorrido seus corredores ornamentados, espreitado seus quartos decorados em excesso, contemplado o exuberante jardim, ou comido de suas maçãs, as emoções despertadas eram ainda mais intensas, beirando o sobrenatural. Para Dante, um ex-funcionário que saiu da mansão do Sr. Berba carregando as marcas de suas experiências, entrar naquele lugar – chamado por muitos de "o maior de todos os pecados" – e sair ileso, sem qualquer ferida moral ou cicatriz psicológica, era praticamente impossível. Em meio ao luxo extravagante e à atmosfera peculiar, a alma de cada visitante era testada de forma sutil, mas profunda, em uma experiência que deixava rastros. Para Dante, sair dali era como atravessar uma verdadeira comédia divina; depois disso, sentia-se quase preparado para o paraíso.
Talvez o maior aprendizado que essa mansão ofereça a quem ousa cruzar seus portões resida não em sua magnificência, mas no convite que faz ao autoexame. Afinal, somos constantemente convidados a frequentar espaços como este – palácios da vaidade, da cobiça e do orgulho – tanto no mundo exterior quanto dentro de nós mesmos. O livre-arbítrio nos permite decidir se entramos ou se resistimos ao encanto. E o que escolhemos revela os desejos mais secretos de nossa alma. A verdadeira liberdade, contudo, nasce quando cultivamos a humildade para reconhecer nossas limitações, a gratidão para valorizar o que temos e o discernimento para resistir às tentações que nos desvirtuam. Quem passa por essa mansão e sai sem ceder ao brilho enganoso do orgulho, da inveja ou da luxúria, encontra, de fato, um caminho mais próximo do que Dante chamou de paraíso, pois a verdadeira riqueza é a paz que trazemos no coração.
Carlos Lopes. 29/10/2024