Lourdes Boldergai

O sol espreguiçando, esticando se entre as árvores do parque que de forma milagrosa resistia bem no centro da cidade. Ouvia-se buzinas de gente atrasada ,em suas carruagens de ferro, diversas cores e tamanhos, algumas sofisticadas, outras nem tanto, que escorriam pela avenida como se fora um rio caudaloso.

Ainda inebriada, deitada no banco do parque , olhos preguiçosos e inchados , doia-lhes a realidade bem mais que a luz do sol. Como que anestesiada , a mulher de corpo franzino,pele ressecada, por breves instantes desviava seu olhar para os pés ensebados a procura dos chinelos. Um breve alívio soprou-lhe mínimo refrigério ao ver os chinelos encardidos caídos logo ali. Voltou seu olhar tergiversando a realidade dolorida que se lhe apresentava.

Descobriu que a fome e sede também traziam filosofia e começou um simples questionário a si mesma. O que eu fiz comigo? Será que sou só isso? Minhas escolhas e preferências temporais me arrastaram e me jogaram aqui. Como fui tola ao trocar o importante pelo urgente! Ah, mas agora não adianta lamentar, eu posso até cair,mas não vou mais ficar no chão. Meu nome é Lourdes Boldergai .

Eu, que de longe assistia, imaginei que era isto que ela estava resmungando,falando sozinha, mas cambaleante se levantou, arrastou seu corpo sujo e cansado que já conhecia o caminho até a porta da padaria para esmolar. Conseguiu uns trocados e comprou bebida. Triste, parti para meu compromisso, mas ao voltar a tardezinha,já anoitecendo vi ambulâncias , luzes piscando e um lençol sobre um corpo estirado no asfalto, reconheci pelos pés ensebados e chinelos encantados a Lourdes Boldergai que na verdade o nome,ninguém sabia, mas eu lhe dei um.