As Viagens do Santo
Era 1864 e a manhã despontava no Canindé quando um rumor se espalhou pela cidade: a imagem de São Francisco das Chagas, tão venerada, partiria para uma grande viagem. E, como não poderia ser diferente, a comunidade se mobilizou. Não era todo dia que o santo ia de barco de Fortaleza até a Bahia para ser restaurado. Na verdade, até então, isso nunca havia acontecido.
Naquele dia, o repicar dos sinos anunciava não só uma despedida, mas uma promessa de renovação. Era como se a cidade inteira quisesse acompanhar o santo em sua jornada. Gente de todas as partes vinham para vê-lo passar, enquanto ele, serenamente, deslizava entre a multidão, acompanhado por músicas e fogos. A devoção era palpável. Os olhos brilhavam de fé e esperança, como se cada passo da procissão tivesse o poder de mudar a vida de quem ali estivesse.
O cuter "Tubarão" esperava no porto. A embarcação que levaria São Francisco ao destino final, onde mãos habilidosas trariam de volta o esplendor do santo de Canindé. O barco partiu e com ele, uma parte da alma daquela gente.
Décadas se passaram e a história de São Francisco continuou. Ele retornou, como prometido, mas o tempo tem suas artimanhas. No meio da vida corrida, entre a poeira das ruas e o fervor das romarias, o santo voltou a precisar de cuidados. Foi então que, em 1982, a imagem se encontrou novamente com as mãos caridosas de Frei Sales, desta vez sem precisar ir tão longe. Em Canindé mesmo, entre as paredes da fé, a imagem foi renovada. Era como se São Francisco tivesse preferido ficar em casa, entre os seus, para receber o carinho necessário.
Mas o tempo não para, e em 2005, lá estava ele de novo, sendo tratado com a mesma dedicação. Dessa vez, os fiéis acompanhavam, curiosos, uma "cirurgia" mais moderna. A madeira, que já mostrava sinais de cansaço, foi cuidada como quem cuida de um tesouro. E a cidade, mais uma vez, sentiu o alívio de saber que o santo estava bem, pronto para continuar abençoando os que vinham de perto e de longe.
E então veio 2020. Um ano de silêncios e portas fechadas. A pandemia transformou tudo em uma espera. A imagem de São Francisco partiu mais uma vez para Fortaleza, quase sem ser notada. Não houve sinos, nem procissões, nem fogos de artifício. A cidade, presa em suas próprias preocupações, viu seu santo partir em silêncio. Quando voltou, a imagem já estava nova, restaurada, mas Canindé ainda se recuperava dos estragos invisíveis de uma outra batalha.
Assim, ao longo dos anos, a imagem de São Francisco das Chagas viajou e voltou. Cada restauração foi como um novo capítulo de sua história com o povo de Canindé. E, em cada uma delas, o santo voltou não apenas com a madeira restaurada, mas com a fé renovada de todos que aguardavam seu retorno.
E assim, a cada repicar dos sinos, Canindé e São Francisco continuam suas jornadas juntos, como se cada restauração fosse um lembrete de que, mesmo com o passar do tempo, a fé nunca envelhece.