A FORÇA DO DESTINO (cordel)
Numa cidade pequena
Distante da capital
Todos lá se conheciam
Levando a vida normal
Num colégio estudantil
Na turma do infantil
Houve um caso especial
As crianças da escola
Sempre ali a estudar
E também se divertir
No seu tempo de brincar
Todo mundo bem contente
Brincavam alegremente
Sem ninguém incomodar
O Paulinho era um aluno
Dotado de educação
Tinha um sorriso no rosto
Que chamou logo atenção
Sempre com seu bom humor
Respeitava o professor
Fazendo sempre a lição
Era ele um menino negro
Por alguns discriminado
Mas tirava isso de letra
Sempre foi bem respeitado
E com seu jeito afetivo
No trabalho coletivo
Sempre foi solicitado
Ali também estudava
A garotinha Isabela
Uma rosa inda em botão
Que todos gostavam dela
Digo sem pisar na bola
Pois ali naquela escola
Era a garota mais bela
Isabela era branquinha
Com corpo bem desenhado
Íris dos olhos azuis
Cabelo loiro e cachado
Bem dotada de beleza
Com sua delicadeza
E jeito muito educado
Seguiram ali estudando
Na mesma escola e lugar
Sempre com muita amizade
Sentavam pra conversar
Compartilhavam assuntos
Faziam trabalhos juntos
Sempre os dois a apresentar
E chegaram à adolescência
Com a mesma intensidade
Respeitando um ao outro
E preservando a amizade
Perceberam num instante
Que um sentimento constante
Buscava a felicidade
Os cumprimentos mudaram
Para um aperto de mão
E depois olho no olho
No pulsar do coração
O amor falou mais forte
Se entregaram a própria sorte
E assumiram uma paixão
Mas quando os pais de Isabela
Tomaram conhecimento
Resolveram interferir
Naquele exato momento
Acabar com aquele amor
Sem piedade e sem dor
Pra não haver casamento
Proibiram Isabela
De se encontrar com Paulinho
Levavam ela na escola
Sempre no mesmo caminho
Se vendo e tendo saudade
Os dois sem ter liberdade
De desfrutar um carinho
Dizia o pai de Isabela
Você não me leve a mal
Como foi gostar de um negro?
Sem ter classe social
Veja o que estou dizendo
Se eu vê desobedecendo
Levarei pra capital.
Nunca mais vais encontrar
Esse moleque atrevido
Que não sabe o lugar dele
Cabra safado, enxerido
Se eu pegar ele sozinho
Mato aquele urubuzinho
Deixo o caso resolvido
A mãe da jovem Isabela
Era pior que seu pai
Já a trancava num quarto
Dizendo “você não sai”
“Como alguém com sua cor
Se atreve a sentir amor
Por nada que lhe atrai”?
Paulinho também sofria
Na aquela situação
O desgosto era evidente
Por angústia e aflição
Sem saber o que fazer
Pensava só em perder
Seu amor do coração
Um dia se encontraram
Num evento da cidade
Paulinho ficou sabendo
Qual era a realidade
Disse Isabela a Paulinho
Com seu amor e carinho
Só quero felicidade
E vieram a se encontrar
Numa nobre ocasião
E na ânsia por um beijo
No auge da emoção
Com desejo e sem pudor
E ali fizeram amor
Com seus corpos sobre o chão
Só que a mãe de Isabela
Teve um mau pressentimento
Informou a seu marido
Que já ficou bem atento
E já no dia seguinte
Por volta das quatro e vinte
Resolveu o seu intento
Isabela foi embora
Foi morar na capital
Numa terra bem distante
Tudo ali tão surreal
Longe da sua cidade
Sem nem uma liberdade
Era um desgosto total
Foi então que Isabela
Morando com sua tia
Sentiu que estava grávida
E a barriga já crescia
Teve que assumir sozinha
Uma linda bebezinha
Vinda com muita alegria
Quando a filhinha nasceu
Ela para se vingar
Saiu da casa da tia
Bem distante foi morar
Usando suas malícias
Jamais ela deu notícias
Pra ninguém lhe encontrar
Começou a trabalhar
Numa casa, na mobilha
Ali passou a morar
Com a guarda de sua filha
Tinha uma dupla jornada
Não tinha tempo pra nada
Seguindo na mesma trilha
E pensou em se casar
Pra ter melhor condição
Para tirar sua vida
Daquela grande aflição
Mas não foi como pensou
Seu sonho desmoronou
Só teve decepção
Ela conheceu um cara
Sujeito bem esquisito
Que sem nenhuma razão
Já criava algum conflito
E naquele sofrimento
Sem nenhum constrangimento
Largou daquele maldito
Foi morar em outro bairro
Com sua filha também
E tendo que trabalhar
Sem contar com mais alguém
Saia de manhazinha
Deixava a filha sozinha
Sem cuidados de ninguém
Mas um dia uma vizinha
Se pôs a observar
Que sua filha chorava
Sem ninguém pra acalentar
Um dia de madrugada
Botou o pé na estrada
Resolveu denunciar
Isabela teve medo
Do Conselho Tutelar
Perder a guarda da filha
Nem sequer imaginar
Só restou uma solução:
Pegar uma condução
Fugir daquele lugar
Acabou com o sofrimento
E voltou pra o interior
Morar na sua cidade
Encontrar com seu amor
Calculou bem direitinho
Numa manhã bem cedinho
Pela estrada se mandou
E dez anos se passaram
Pra Isabela voltar
Sofreu muito nesse tempo
Teve história pra contar
Com os pés pisando em brasa
De volta pra sua casa
Retornou ao seu lugar
Nunca esqueceu de Paulinho,
A sua grande paixão
Dos momentos na escola
Também traz recordação
E agora para voltar
Novidades do lugar
Era uma interrogação
Sua mãe adoeceu
Teve um desgosto profundo
Caiu logo em depressão
Coisa triste desse mundo
Com uma vida bem singela
Só falava em Isabela
E seu marido Raimundo.
Raimundo, pai de Isabela
Se arrependeu do que fez
Sem contato com a filha
Pelo menos uma vez
Quando viu de tardezinha
A filha e sua netinha
Todo o passado desfez
A filha de Isabela
Nove anos ela já tinha
Com bastante inteligência
Também era uma rainha
Na hora em que se encontraram
Ali mesmo se abraçaram
Abençoando a netinha
E ao menino Paulinho
Que será que aconteceu?
Ao longo desses dez anos
Ele não esmoreceu
Continuou a estudar
Jamais saiu do lugar
Como pobre ele venceu
Terminou o ensino médio
Ingressou na faculdade
Se formou em professor
Leciona na cidade
Não esqueceu Isabela
Nem trocou o amor dela
Por qualquer futilidade
Isabela viu Paulinho
E mostrou Paula Regina
Essa jovem é a sua filha
Você jamais imagina
É fruto do nosso amor
Com ajuda do “Senhor”
Eu criei essa menina
Pai e filha se abraçaram
Comovidos de emoção
Com os olhos rasos d’água
E amor no coração
Provou que nada desfez
O amor mais uma vez
Fez selar uma paixão
Raimundo pediu perdão
Para o professor Paulinho
Se arrependeu do que fez
Do pensamento mesquinho
Vivendo hoje em harmonia
Desfrutam de alegria
Sossego, paz e carinho.
Hoje o casal vive bem
Com amor e com respeito
Com o professor Paulinho
Não existe preconceito
Hoje tudo é maravilha
Já chegou uma nova filha
Deixando tudo perfeito
Por isso fica a lição
Que já sei desde menino
O que está pra acontecer
Não coloque em desatino
Quando alguém conta com a sorte
Nada no mundo é mais forte
Que a força do destino.