UM BODE RETIRANTE DA SECA QUE ENTROU PARA A HISTÓRIA
AUTOR: Gerardo Carvalho Frota (Pardal)
A história hoje é a seguinte
Que traz em si um requinte
De um personagem pivô.
Eu quero lhe apresentar
O ilustre deste lugar
O famoso BONDE IOIÔ!
Trazido pra Fortaleza
Do sertão por retirante
José Magalhães do Porto
A sua posse garante.
Foi na praia de Iracema
Sua morada doravante.
O bode era importante
Quando chegou em Fortaleza
Pela década de 20
E só queria moleza.
Foi uma figura folclórica
Dotado de gentileza.
Parecia a globeleza
Desfilando na cidade
Na companhia de boêmios
Com muita ludicidade.
No meio dos escritores
Era personalidade!
Carregava a vaidade
De quem se dava valor
Ele não se misturava
Era um bode de pudor.
Era o centro da cidade
Seu preferido setor!
Ele era detentor
De respeito pelas praças
Como ele tinha moral
Nunca foi jogado às traças
O máximo que lhe fizeram
Foi lhe dar umas cachaças.
Nunca se viu arruaças
Da parte deste caprino
Era um bode comportado
Não era a um animal malino
E por 17 anos
Foi um bode peregrino.
Parecia um celebrino
Aquele bode faceiro
Tido com um cidadão
Não dormia num chiqueiro.
Das igrejas e na Câmara
Ele era perambuleiro!
E contra o politiqueiro
O povo fazia protesto
Fizeram um abaixo-assinado
Como um grande manifesto
Pelo descontentamento
De político funesto.
E todos num mesmo gesto
Resolveram então fazer
Uma crítica aos políticos
Que viviam a se escondem
Puseram nome do bode
Pra vereador se eleger.
Se a posse não acontecer
Mas se deu a eleição
Da figura popular
Para dar uma lição.
Foi o maior dos protestos
Que viveu esta nação!
Foi cantiga foi canção
De enredo do carnaval
Em 2019
Sapucaí deu o aval
Pois na Escola Tuiuti
Que o bode tornou-se o tal...
O bode esteve em jornal
E hoje está no Museu
No Museu do Ceará
Sua fama inda mais cresceu.
Ele está bem empalhado
Pois o bode não morreu.
Uma notícia se deu
Na Gazeta de Noticia
Que apresenta o bode ioiô
Merecedor de carícia.
Personagem curiosa
Não figura fictícia...
Mas veio a triste notícia
Que ninguém acreditou
Alguém entrou no museu
O rabo dele roubou.
Botaram um rabo postiço
Mas todo mundo notou.
Foi figura que ficou
Um símbolo popular
Que os artistas cineastas
Ele veio a inspirar.
“Um bode chamado Ioiô
Que na arte foi estrelar”.
Eleito e todo lugar
Mascote de Fortaleza
Era também personagem
Das histórias de proeza
Dos livrinhos infantis
Escritos com sutileza.
O bode com sua fineza
Vira peça de museu
Mas continua bem vivo
O seu conceito cresceu.
Ele veio do sertão
E para história nasceu.
Depois da morte se deu
Quem tinha que o defendia
Como também aconteceu
Aquele que o ofendia.
Mas isto em qualquer lugar
Tinha sempre esta mania.
Pra todos era alegria
Era um animal sociável
Era muito brincalhão
Um bode conciliável.
Sua amizade com todos
Era algo inestimável!
Era um animal notável
Pela popularidade
Ele ganhou permissão
De andar pela cidade
Num tempo em que os animais
Não tinham essa liberdade.
O nome Ioiô na verdade
Foi por causa das andanças
Lá da Praia de Iracema
Trazendo suas bonanças
Até a praça do Ferreira
Mostrando suas pujanças.
Uma de suas nuanças
Era promover o sorriso
Através das brincadeiras
Que fazia de improviso
O povo por meio do bode
Que nunca foi indeciso.
Regis Lopes(*) foi preciso
Quanto ao bode assim achava
A peça mais importante
Do Museu que lá estava
Representou a rebeldia
E a ironia que reinava...
Em nossa cultura estava
O espírito irreverente
Pois foi através do bode
Que se via aquela gente.
Este povo cearense
Um povo forte e valente.
Era um boêmio insurgente
Que entre músicas e atores
Em torno do Café Java (**)
Se apegou com os escritores.
Com ele em saraus coretos
Percorriam os pensadores.
Era um dos conquistadores
Da moçoila que passava
Levantava com seus chifres
Sua saia e quem gostava
Era o macharal da praça
Que sua vista limpava.
(*) diretor do Museu do Ceará (2001-2008)
(**) Quiosque nas ruas G.Rocha e F. Peixoto,1887
Precisamos ir atrás
De que o bode ioiô morreu
Uns dizem foi de cirrose
Das cachaças que bebeu.
Outros dizem de enfisema
Das charutadas que deu.
Tenho nos estudos meus
Pode ter sido um marido
De uma mulher de quem o bode
Levantou o seu vestido
Assassinou o animal
Por um ato irrefletido...
Outro motivo inquirido
Já que era um tempo crítico
Pois no meio da política
Só pensamento raquítico
Dizem que morte do bode
Foi um atentado político.
Fim
Fortaleza(CE), dez./2020 (1ª edição)