UM RECORTE DA MINHA HISTÓRIA
POR JOEL MARINHO
 
Peço aos deuses dos poetas
Para guiar minhas mãos
Nesse recorte da vida
Que escrevo com emoção
Por ser algo tão pessoal
Quase que um memorial
É mais que inspiração.
 
O que aconteceu comigo
Quando ainda adolescente
Veio mudar minha vida
De uma forma consistente
Algo que nunca sonhei
Foi tão rápido que nem sei
Caí dentro da torrente;
 
Vinha de uma pobreza
A fome era corriqueira
Só pensava em estudar
Ter uma bela carreira
Queria ter grande nome
Fugir do diabo da fome
Parar de vender na feira.
 
Nunca pensei em casar
Muito menos em ter filhos
Não é porque eu achasse
Ser filhos um empecilho
Eu não queria era ver
Mais gente para sofrer
Crescendo fora do trilho.
 
Não acredito em destino
Tudo que acontece é fato
Mais dizia meu avô
Um ditado bem exato
Existe coisa do além
Que ao humano não convém
Vindo pra casa do mato.
 
Ia a vida caminhando
Cai aqui, cai acolá
Entre vendas de bombons
E quintal pra capinar
E em meio ao sacrifício
Meus maiores compromissos
Trabalhar e estudar.
 
Foi aí que aconteceu
Na sala daquela escola
Aquela jovem menina
Começou a me “dar bola”
Mas o santo desconfia
Se a sacola estiver vazia
Ou se for grande a esmola.
 
Foi até a minha casa
Com a filha de sua patroa
O pretexto, pegar um livro
Depois pediu numa boa
- Leva a gente até em casa
Pois o perigo propaga
E na rua tem gente atoa.
 
E naquele envolvimento
Fui com elas até sua casa
Foi então que eu queimei
O corpo todo na brasa
E com os olhos de desejo
Ela me pediu um beijo
Caí que quebrei as asas.
 
Duas semanas mais ou menos
Chegou ela a mim chorando
Dizendo, tenho um segredo
Que eu estou segurando
Porém não aguento mais
Não vou te enganar jamais
Um bebê estou esperando.
 
Eu perguntei: e o pai
Ela disse, me deixou
Deu-me um pouco de dinheiro
E assim ele falou
Tira essa “coisa” da barriga
Cai fora, sua “rapariga”
Aqui tudo terminou.
 
Depois de muita conversa
Ela perguntou, tu me ajudas?
Para fazer um aborto
Pelo amor de Deus, me acuda!
Disse a ela, tá legal
Busquemos um hospital
Tudo em boca miúda.
 
Assim terminou a noite
Na casa dela, eu na minha,
E veio o sono dos justos
Dormi com as mãos juntinhas
E no mundo de Orfeu
Veio um sonho e irrompeu
A minha vida todinha.
 
No meu sonho apareceu
Aquela recém-nascida
Dizia ela a mim
Com o ar de despedida
Disse. Pelo amor de Deus
Salve o riso que são meus
E não tire a minha vida!
 
Acordei na madrugada
Daquele bendito sonho
O pranto desceu no rosto
Um sofrimento medonho
A noite ficou doída
Naquela noite comprida
E aquele dia tristonho.
 
No outro dia à noitinha
Fui até ela e falei
Faça o que você quiser
Nada que disse farei
Porém se você quiser
Fazer papel de mulher
A você ajudarei.
 
E todo o desenrolar
Da vida dali em diante
Foi a barriga crescendo
Com aquele ar de gestante
E eu fui me acostumando
E como um pai me tornando
Naquele “conto” distante.
 
Comprei uma grande briga
Com quase toda a família
Mas quando a bebê nasceu
Eu falei é minha filha
Porém sem perspectiva
No meio daquela intriga
Perdido naquela “ilha”.
 
Ouvia de muita gente
Menino, você é louco!
Eu mesmo não processava
Com meu jeito de “caboco”
Pensava nas consequências
Mas pedia a Deus clemência
Para vencer o sufoco.
 
Quando minha filha nasceu
Não contive a emoção
Em cima daquela maca
Um chorinho, que paixão!
Em êxtase eu fui pra casa
Noite de sono, olho em brasa,
Mas sorrindo o coração.
 
Mas a ideia de ser pai
Às vezes era muito forte
Não estava preparado
Era brincar com a “sorte”
Não tinha nada na vida
Seria como um suicida
Abraçando a dita “morte”!
 
E assim eu decidi
Que não ia registrar
Não queria que mais tarde
Não pudesse sustentar
E ver minha filha sofrendo
Por esse mundo horrendo
Sem lugar para morar.
 
Eu não peço que me entendam
Até hoje eu não entendo
Mesmo depois que fiquei
Com a mãe dela vivendo
Vivia em contradição
Se eu ouvia meu coração
Ou a razão me dizendo.
 
- Recomeça teu projeto
Corra atrás, vá estudar!
E o tempo foi passando
Sem eu sair do lugar
E naquele envolvimento
Nasceram mais dois rebentos
Só restava eu trabalhar.
 
Sem muita coisa a fazer
Sem saber, sem profissão
Vendi picolé, bombons
E cai na construção
Fui servente de pedreiro
Encanador, carpinteiro
Com meu pai e meus irmãos.
 
Trabalhei pra me lascar
Depois me tornei pedreiro
Meu sonho de estudar
Parecia o estrangeiro
Era algo tão longínquo
Que até perdeu o vínculo
Com o real sonho pioneiro.
 
Mas com raça e muita luta
Fui fazendo o que podia
E criei os meus três filhos
Talvez não como eu queria
Mas dentro os moldes de pobre
Suei, lutei como nobre
Até a última energia.
 
Mas deixo aqui um adendo
Não sou mal agradecido
Pra ver os filhos crescendo
A mulher que lutou comigo
Hoje um pra cada lado
Cada qual com seus “pecados”
Mas com os filhos crescidos.
 
Jamais dela falo mal
Nós dois cometemos erros
Um dia veio o fim
Até chegar o desterro
Nada mais do que normal.
Separação de casal
E com esse papo encerro.
 
E com a separação
Tudo o quanto construímos
Não vi nada como meu
Por isso não dividimos
Deixei aos filhos e a ela
Fui abrir outras “janelas”
Outros planos aderimos.
 
Isso aqui é um recorte
Visto de um ponto de vista
Um pedaço de uma História
Talvez apenas uma pista
Se não quer acreditar
Seja livre ao pesquisar
De forma mais detalhista.
 
Hoje olho para trás
E vejo tudo mudado
Mas as lutas que passei
Deixou-me um grande legado
De nada me arrependo
Pois vi meus filhos crescendo
E hoje estão criados.
 
Amo a todos por igual
Com ou sem meu sobrenome
Pois o amor não se mede
Pela criação do homem
Amor é algo divino
Bem melhor que um prato fino
Que só os deuses consomem.
 
O que seria de mim?
Se tivesse cometido
Aquela atrocidade
Um pouco eu tinha morrido
O que fiz me satisfaz
Quem hoje me chama pai
Deu-me um netinho lindo.
 
Talvez eu tenha criado
Tristeza e aflição
Corro agora contra o tempo
Mas vou dentro da razão,
Mas me sinto um vencedor
Pois tudo eu fiz com amor
Trago em paz meu coração.
 
Vivo bem e devo pouco
E tenho um grande amor
Trabalho no que eu gosto
E venço com muito ardor
Não tenho a alma vazia
Sou amante de poesias
E escrevo com fervor.
 
Até aonde eu saiba
Não tenho um inimigo
Porque por onde eu passo
Procuro fazer amigos
Sei que tenho meus defeitos
Mas procuro ser direito
Pra não viver em perigo.
 
Como disse, isso é um recorte
Pedaço de minha História
Que fala da minha vida
Um pouco dessa memória
Agradeço àquele sonho
Das emoções me componho
Escrevendo a essa hora.
 
Fui chamado de otário
E de pássaro japiim
Por criar filho dos “outros”
Isso não serviu pra mim
Pois criei foi minha filha
Tornei-me pai de família
E isso não foi ruim.
 
Não tem preço receber
Aquele pai, eu te amo!
Um desenho num papel
Por isso nada reclamo
Nada teria valor
Se não fosse esse amor
O resto seria engano.
 
Quando o assunto é aborto
Prefiro não comentar
Pois não pensamos iguais
Nem deveríamos pensar
Cada caso é diferente
Mas eu sou muito contente
Por não ajudar abortar.
 
Deixo aqui esse registro
Hoje que tive coragem
Porque sei que cedo ou tarde
Farei a grande viagem
E não quero que ninguém
Escreva o que lhe convém
Deturpando a verdade.

E toda vez que quiser
Saber da minha pessoa
Pergunte a quem viveu
Que contarei numa boa
Ouvir um fantasioso
Torna a ti um mentiroso
E mentiroso ninguém perdoa.

Mentira tem pernas curtas
Já diz o velho ditado
Quando a verdade aparece
Tu também está enrolado
Não toque fogo em barril
Nem espalhe Fake News
Para não ser processado.



Obrigado pela belíssima interação, ACaBe, muito agradecido mesmo!
Um recorte da história
Que teve flor e espinho
De quem lutou pela vida
Deu suporte e carinho
Deixo os meus cumprimentos
Muito bom depoimento
Poeta Joel Marinho