A POLÍTICA “HIGIENISTA” E A GUERRA SEM FIM
POR JOEL MARINHO
 
A História se repete
Já que não gostamos dela
Fere o homem do asfalto
E as crianças da favela
Levam tiro de fuzil
Manchando de sangue o Rio
Morrem sem direito a vela.
 
Lá no século dezenove
Vejam que grande nobreza
Estão livres, podem ir!
Falou a branca princesa
E a dita Isabel
Assinou o tal papel
E só deu uma certeza.
 
Daquele dia em diante
Acabou a escravidão
Estavam todos libertos
Para cair na prisão
Sem apoio do Estado
Pois não foram indenizados
Daquele tempo do cão.
 
Políticas públicas, o quê?!
Bando de pretos insolentes
Já demos a liberdade
O que mais querem da gente
Deixem de seus mimimi
Vão para longe daqui
Ou ganham é porrete quente.
 
E assim desassistidos
E com a política higienista
Pra deixar belas as cidades
Foram construído pistas
Mas o preto era sinônimo
De “coisa feia, bisonho”
Tinha que sair da vista.
 
Derrubaram os cortiços
E preto subiu o morro
Desciam pra trabalhar
Tomavam grandes esporros
 Mas por estar precisando
Ia ao branco aturando
E tratado igual cachorro.
 
E o tal embranquecimento
Pelos teóricos pensado
Para uma “nova” nação
Sem os ex-escravizados
Só fez crescer a exclusão
Sem uma compensação
A um povo abandonado.
 
Em meado do século vinte
Houve grande migração
Do nordeste para o sudeste
Nova desordenação
Com a indústria crescente
Pra favela foi mais gente
E nada de solução.
 
Cresceu a população
E os problemas sociais
Com um Estado omisso
Ficou pior mais e mais
Surgiu poder paralelo
Na base de fogo e ferro
Criando seus “tribunais”.
 
E sem ter nenhum amparo
Eis que aparece o Estado
Dizendo vamos acabar
Com esse fogo cruzado
Policiais de fuzil
Sobem as favelas do Rio
Com tiro pra todo lado.
 
Com o mesmo pensamento
Lá do século dezenove
Nosso governo atual
Dizendo, assim que resolve
Pedimos que não se zangue
Mas precisamos de sangue
Pra acalmar nossos revolveres.
 
Ferem a vida, ferem a alma
Ferem a Constituição
Ferem o corpo da criança
Que não entendem a razão
De uma guerra sem fim
Que só traz coisa ruim
E corpos jogados ao chão.
 
Morre bandido e soldado
E não sacia a vontade
De ver sangue derramado
Da nossa sociedade
Os governantes “tarados”
Em ver mais fogo cruzado
Comemoram a atrocidade.
 
Dizem eles, isso é guerra
Porém vamos exterminar
Todo o mal das favelas
Os bandidos eliminar
Vemos mortes dos dois lados
Com um povo abalado
E violência a aumentar.
 
Sabemos que na favela
Há de fato muitos bandidos
Porém há na maioria
Apenas um povo sofrido
Que luta todos os dias
Pra sair dessa agonia
E que não são atendidos.
 
O discurso é mandar bala
Metralhadora e fuzil
Falar em políticas públicas
É um discurso vazio
Põe culpa nos favelados
“Bandidos, desaforados”
“Destruidores” do Rio.
 
É a onda higienista
Disfarçado de mocinho
O tal embranquecimento
O velho papo mesquinho
Ao preto e favelado
Só resta o fogo cruzado
Estatística é seu caminho.
 
Isso quando ele não é
Enterrado como indigente
Ou jogado num presídio
Muitos até inocentes
Porém pela pele escura
É preso pela estrutura
De um país excludente.
 
A estatística é que fala
Eu não estou inventando
E se achar que é mentira
Tire as dúvidas pesquisando
Pois no Brasil quem mais morre
Eu juro, não estou de porre
É o descendente africano.
 
E com a nova política
Do salvem-se quem puder
Polícia chega atirando
Em homem, velho e mulher
Já perdemos a esperança
Pois matam até crianças
Perdemos o resto da fé.
 
Eu fico me perguntando
Onde está a inteligência
Das polícias do Brasil
Será que ali ninguém pensa?
Só pode ser um propósito
A guerra virou negócio
Dando a alguém recompensa.
 
Como disse, a favela
Tem muita gente do mal
Porém ali maioria
Não está com esse ideal
São pais e mães de famílias
Criando filhos e filhas
Em meio ao tiro fatal.
 
Cadê as políticas públicas
Pra dar oportunidade
Aos que sem perspectiva
                     Buscam as “facilidades”                      Sem ter nenhuma esperança
Ver no tráfico a bonança
Pra sua “felicidade”.
 
Levem paz e esperança
Para as crianças inocentes
Sejam bem mais cautelosos
Sem se valer de patente
Nossa polícia preservem
Para que ela conserve
Nosso povo inteligente.
 
Sem dar oportunidade
Toda guerra será em vão
Já dizia Isaac Newton
Toda ação tem reação
Não se muda uma gente
Se não for inteligente
Se não der educação.
 
O maldito preconceito
Arraigado com racismo
Criou um brasil de “castas”
Democracia do cinismo
Se não houver união
Jamais seremos nação
E terá sempre ostracismo.
 
A guerra só traz desgraça
E mata as nossas crianças
Faz crescer essa revanche
Trazendo desesperança
Maldita bala perdida
Que tira de nós a vida
E a nossa confiança.
 
Uni-vos povo guerreiro!
Nessa cruzada da paz
Façamos nosso propósito
Para não sofrermos mais
Crianças tem que brincar
E de manhã estudar
E não morrer cedo demais.
 
E que os nossos políticos
Cumpram com seus compromissos
Criando políticas públicas
Pois esses são seus serviços
Cuidem da população
Não cometam corrupção
E nem se tornem omissos.