AS ÚLTIMAS VINTE E QUATRO HORAS DE LAMPIÃO

Qualquer vida desse mundo

Tem início, meio e fim

Ninguém tem imunidade

Seja bom, seja ruim

Durante tal trajetória

Na derrota ou na vitória

Acaba no caixotim.

E nenhum sobrevivente

Fugirá dessa sequência

Tudo já está programado

Na sua circunferência

Todo bem e todo mal

É um enredo real

Aos olhos da existência.

Desde o nascer dum mortal

Seja humano ou felino

E a partir do primeiro

Instante raio matutino

Porém tudo é provável

Nada é inevitável

Logo se cumpre o destino.

Não há casualidade

Tudo tem uma razão

Assim sucedeu com Cristo

Portanto foi com Sansão

Toda causa é contundente

Também não foi diferente

Na vida de Lampião.

No Vale do Velho Chico

Batalhas eram travadas

O reinante Lampião

Ali com seus camaradas

Enfrentavam as volantes

De ferozes comandantes

Por diversas encruzadas.

João Bezerra de um lado

E do outro Zé Rufino

As volantes reduziam

A ação de Virgulino

Ele se vê empacado

Cada vez encurralado

No Agreste nordestino.

Principalmente acolá

Em terreno sergipano

Bem naquele mês de julho

Trinta e oito era o ano

A vida do Capitão

Codinome Lampião

Corria risco, sem engano.

O trabalho da polícia

Era total e incessante

Coiteiros bem vigiados

Cada segundo e instante

Quer à noite e quer de dia

A volante perseguia

O suspeito informante.

Na intensa perseguição

Cometida aos coiteiros

Apesar de eles sofrerem

Encalços doutros terceiros

E com todo o cuidado

O auxílio era levado

No coito dos cangaceiros.

Os dias tavam contados

Pro Capitão Virgulino

A onda do banditismo

No Agreste nordestino

Cada dia enfraquecia

Próprio Lampião sentia

Remate do seu destino.

Lampião chefe supremo

De todo esse comandado

Atinou que as coisas não

Estavam bem pro seu lado

Ante ódio e perseguição

Esse senhor do sertão

Já se sentia cansado.

Lá no seu esconderijo

Mais tempo permanecia

Com o seu bando acuado

Em pleno brilho do dia

Ele dava a entender

Tava difícil viver

E o cangaço amortecia.

Pois assim facilitava

A presa pra o caçador

Por mais que se esquivasse

Lá estava o predador

A volante era infernal

Fuçava todo local

Feito um cão farejador.

Foi em meados de julho

Desse ano de trinta e oito

Lampião e seus comparsas

E num total de dezoito

Lá na Fazenda Angico

No Vale do Velho Chico

Alojavam-se no coito.

Lampião e seus asseclas

Oeste do Rio São Francisco

Esperavam irrequietos

O companheiro Corisco

Pra se unir com sua gente

Nesse refúgio evidente

Embora correndo risco.

Lá na Grota de Angico

Já era a terceira vez

Lampião esteve ali

Não fazia nem um mês

O imperador do sertão

Ajuntava seu povão

Pra se despedir talvez.

Dizia-se que ao fim dessa

Secreta reunião

O Virgulino Ferreira

Da silva, o Lampião

Abandonaria o cangaço

Sertões mineiros o espaço

À sua nova migração.

Alguns historiadores

Indicam outro destino

Para esse novo encontro

Daquele bando lupino

Segundo diz a versão

Era uma repressão

Ao tenente Zé Rufino.

Já outros pesquisadores

Contrariam a variante

Os olhos de Lampião

Tinham outra consoante

Para Propriá a cidade

A comarca majestade

E dali a mais importante.

O grupo de Zé Sereno

Com Lampião já estava

E muito ressabiado

Com ele até comentava

A Grota era um perigo

Aquele coiteiro amigo

Do mesmo desconfiava.

Esse comentário feito

Não receia Lampião

E ele sequer deu bola

Pra aquela insinuação

Nunca que imaginava

Naquele em quem confiava

Fosse lhe fazer traição.

Zé Sereno e sua gente

Por acolá se aceirava

Muito cautelosamente

Sequer um rastro ficava

E para sua surpresa

Lá naquela redondeza

Com alguém se deparava.

Na mira de Zé Sereno

E debaixo de ultimato

O cangaceiro interroga

O amedrontado mulato

Responda sem gaguejado

Que sejas abreviado

Que fazes por esse mato?

Meu nome é Durval e de

Pedro de Cândido irmão

Sou pessoa de negócios

Adentro nesse sertão

Além de comerciante

Tenho ofício de marchante

Aqui nessa região.

Para a Grota de Angico

Zé Sereno o conduziu

Com os olhos bem vedados

Escoltado ele se saiu

Levando o açougueiro

Ligeiro o cangaceiro

Pela caatinga sumiu.

Presença de Lampião

Já estava esse mercante

E Lampião sem rodeio

Pediu ao comerciante

Para comprar mantimentos

Variados alimentos

Também bebida bastante.

Naquele instante ali

Lampião antecipou

O pagamento das compras

Para o sujeito falou

Dessa gaita o troco é seu

Traga só o que é meu

Boa sorte o desejou.

Lampião ainda o pediu

Ante recomendação

Procure por Mané Félix

Reparta sua missão

Fique esperto e ligeiro

E cuidado com olheiro

Estão sempre de plantão.

E num certo vilarejo

Coiteiro foi situado

O mascate sem demora

Fez-lhe o comunicado

Ali a sopro de ouvido

No sigilo e escondido

O acordo foi tratado.

Na caída da noitinha

Naquela segunda-feira

Esse jovem pega estrada

E some na catingueira

Tava cumprida a missão

Pra levar a Lampião

A encomenda por inteira.

Ainda nessa dita noite

Chega à casa do seu irmão

Conduzindo um animal

Arcado de nutrição

Adentro dessa bagagem

Ocultava camuflagem

De bala de mosquetão.

Os irmãos ligeiramente

Com o animal carregado

Seguiram para o coito

Aliás, e com cuidado

À caça de Lampião

Com todo seu batalhão

Em Angico camuflado.

Lá na Grota de Angico

Os irmãos e Lampião

Conversaram e bastante

Foram até alto serão

Capangas já até dormiam

E os manos se despediam

Do coito do Capitão.

Já no caminho de volta

Num bate-papo leal

Os dois irmãos reconhecem

Risco circunstancial

Todo cuidado era pouco

E que ninguém era louco

Dar bandeira, afinal.

Um dos irmãos, evidente

Segue por outro estradão

Direto pro povoado

Incumbe de outra missão

Sobretudo queijo coalho

E uma porção de mangalho

A gosto de Lampião.

Virgulino carecia

Da mercadoria urgente

Pois o sustento que tinha

Não era o suficiente

Necessitava suprir

O bando e se divertir

Unido com sua gente.

Num mercador da comarca

O coiteiro comerciou

Em determinada vila

A compra negociou

Após aquisição feita

Ele mais uma receita

Ligeiro solicitou.

Coiteiro de Lampião

Nada ele maliciou

Já com a mercadoria

Ligeiro se retirou

A compra em quantidade

Causou curiosidade

Ali onde ele comprou.

Esse mercador chegou

À seguinte conclusão:

Pela abundância de queijo

E naquela proporção

No Agreste nordestino

Claro! Só tinha um destino

Refúgio de Lampião.

A compra realizada

Lá na casa do queijeiro

Ficava acolá uma pista

Deixada pelo coiteiro

E daí basicamente

Ameaça inteiramente

O bando de cangaceiro.

Assim que aquele coiteiro

Daquele empório saiu

O queijeiro prontamente

Para a cidade partiu

À procura do tenente

João Bezerra, evidente

Para dizer-lhe o que viu.

Na cidade não encontrou

Desejado militar

Em seguida resolveu

Ao sargento procurar

Localizava Aniceto

Com amigos num dialeto

Na praça a tagarelar.

Aquele negociante

Do sargento se achegou

Sereno e bem baixinho

Na sua orelha cochichou

Dizendo que Lampião

Com todo seu batalhão

Perto dali se arranchou.

Para o sargento Aniceto

Uma luz se acendeu

Diante a informação

Nem um minuto perdeu

De posse daquela pista

Já foi no telegrafista

Pro tenente escreveu.

Tenente, João Bezerra

Boi no pasto venha urgente

Assinava o telegrama

Saindo apressadamente

Essa hora não se passava

Sargento aflito esperava

A resposta do tenente.

Mas o tenente Bezerra

Tava noutra região

Numa outra diligência

À frente doutro escalão

Ao receber o recado

Chamou seu subordinado

Dando-lhe tal instrução.

Pediu pra seu aspirante

Logo a tropa reunir

Prontamente o atendeu

Sem saber aonde ir

Alguns minutos depois

O grupo em ala de dois

Se apresenta pra sair.

Com o telegrama em mãos

Do sargento Aniceto

O oficial Bezerra

Ante aquele dialeto

Sentiu a necessidade

Estar presente à cidade

Ficou muito irrequieto.

O sargento Aniceto

Em Piranhas, a cidade

Para despistar coiteiros

De sua finalidade

Em cima dum caminhão

Gritava pra multidão

Com muita autoridade.

Perto de Mata Grande

Vou atacar Lampião

Limite de Água Branca

Soltava o seu vozeirão

De hoje ele não passa

Reunindo-se ali na praça

Com todo seu batalhão.

Esse plano do sargento

Era chamar atenção

Ele sabia que ali

Filtrado na multidão

Tinha coiteiro ouvindo

O que estava decidindo

E avisaria a Lampião.

Até parece que ele

Teve uma premonição

E justo naquela praça

Certeza tinha espião

Que bem sorrateiramente

Saía desse ambiente

E sem deixar suspeição.

No encontro com Lampião

Aquele fiel coiteiro

Desembuchou sem rodeio

O que ouviu do arruaceiro

Contou-lhe todo o plano

Daquele miliciano

Com seu bando de escoteiro.

Diante dessa notícia

Debochou-se Lampião

Além disso fez gracejo

Foi aquela gozação

Porém mal ele sabia

O aviso que se ouvia

Tratava-se de armação.

Não longe lá de Piranhas

Já em outro povoado

Aniceto ali encontrava

João Bezerra e seu aliado

Seu fiel cão de coleira

O aspirante Ferreira

Aguardando seu chamado.

Além do mais se encontrava

Com eles outras volantes

Civis e rastejadores

Compostos aos figurantes

Lá estavam reunidos

Esses homens destemidos

Às ordens dos comandantes.

O oficial tenente

Sargento sinalizou

Para um particular

Seguidamente o indagou

Esclareça o telegrama

Eu não entendi o drama

Muito confuso estou.

E justo de Mata Grande

Nosso chefe o capitão

Também me telegrafou

Dizendo que Lampião

Tá na área de Inhapi

Você me chama aqui

O que é que me diz então?

Ligeiramente o sargento

Perante interrogação

Respondeu: calma tenente

E preste bem atenção

O que eu vou lhe dizer

Você vai já me entender

Deu-lhe tal explicação.

Por conta própria fui eu

Pelo mato me adentrei

A poucos metros dali

Com um moço me topei

Assim que ele me avistou

E de toda cor ficou

Seguidamente o intimei.

Entretanto eu lhe disse

Sou o vulgo Lampião

Ele começou a chorar

Idêntico um bebezão

Com pena do infeliz

Adivinha o que eu fiz

Mandei pegar o estradão.

Em seguida sai correndo

Disparado feito um cão

Porém tudo leva a crer

Algo disse ao capitão

Nesse mesmo telegrama

Fala-se da mesma trama

Por isso da confusão.

Tenente, João Bezerra

Logo arregalou as vistas

Disse: agora entendi

Motim dos telegrafistas

Para mim nada esconda

Mas agora me responda

Quais são suas novas pistas?

Sem qualquer hesitação

Respondeu-lhe o sargento

O senhor Pedro de Cândido

É o nosso mapeamento

Pra sua casa cercar

E fazê-lo confessar

Debaixo de espancamento.

Naquele justo momento

Tomaram a decisão

Em direção de Piranhas

Subiram num caminhão

De volta a essa cidade

Pacto da cumplicidade

Esquematizam a ação.

Chegaram ao anoitecer

À beira do velho Chico

Numa embarcação a remo

Seguiram para Angico

À caça de Lampião

Seguia o tenente João

E a facção de milico.

Frente a Grota de Angico

Essa fazenda ficava

Mas eu lhe digo, o tenente

Nunca que imaginava

Que o místico Lampião

Com parte do batalhão

Bem ali se encontrava.

E noutro lado do rio

A volante se ancorava

Aliás, e com cuidado

Acolá desembarcava

Tenente a seguir chamou

Agentes e confiou

À missão que ele tramava.

E logo são escolhidos

Os soldados da missão

Para irem a casa do

Tal informante então

Para trazê-lo urgente

À presença do tenente

Caçador de Lampião.

Bateram naquela porta

O coiteiro perguntou:

Quem é que está aí?

É a polícia, assim falou

Naquele minuto ali

Nas calças já fez pipi

Cueca também sujou.

Com ele ali se encontrava

Também um outro coiteiro

O amigo de Virgulino

Atentamente e ligeiro

Abriu a porta dos fundos

O visitante em segundos

Apaga-se no madeiro.

E se foi seguidamente

À polícia atender

Abriu a porta da frente

E aí com muito prazer

Exigiu-lhes que entrassem

Logo se acomodassem

Um bom café ia fazer.

Os soldados sem demora

Transmitiram o recado

Em nome de João Bezerra

O coiteiro foi intimado

Para lhes acompanhar

Carecia de lhe falar

Assunto do interessado.

E para aqueles soldados

O coiteiro prontamente

Disse-lhes: não posso ir

Ao encontro do tenente

Pois há um impedimento

Minha esposa no momento

Ela se encontra doente.

Que o coiteiro mais queria

Nessa exata ocasião

Despistar esses soldados

E avisar pra Lampião

Que Bezerra, o tenente

Com toda a sua gente

Rondavam a região.

Em seguida esses soldados

Foram embora do local

Coiteiro desesperado

Aflito sai no quintal

Procurando essa visita

Pelo seu nome até grita

E dela nenhum sinal.

Ele tinha esperança

De aquele amigo encontrar

Por intermédio dele

Rapidamente levar

Aviso pra Lampião

Pra sair da região

Antes de o dia raiar.

À procura foi em vão

O amigo tinha sumido

Embrenhava-se no mato

Ficou desaparecido

Ele muito lastimou

Na sua guarida entrou

Ficando muito sentido.

Ele estava apreensivo

Diante tal situação

Ficara a noite acordado

Com grande inquietação

A vontade era sair

Passar pelo rio e ir

Prevenir o Lampião.

Aquele infeliz olheiro

No lar se questionava

Tenente João Bezerra

Com as praças se revoltava

Entendeu que o coiteiro

Iludiu seu patrulheiro

E Lampião se safava.

Depois da repreensão

Aos agentes em seguida

Ordena-lhes o tenente

Que voltassem à guarida

Daquele infeliz coiteiro

E lhe trouxessem ligeiro

Nem que lhe custasse à vida.

Aquele pobre infeliz

Estava mesmo desperto

O retorno da volante

E era mais que decerto

Por outra invasão temia

Assim ele pressentia

O tenente era esperto.

Os soldados retornaram

A essa casa novamente

Junto com o aspirante

Braço forte do tenente

Debaixo de repressão

O olheiro de Lampião

Ele foi trazido urgente.

Ali nas mãos da volante

Já estava o coiteiro

Para ser interrogado

E no minuto primeiro

A cada resposta dada

Polícia ficava irada

Com o seu prisioneiro.

Mas aquele oficial

Não estava satisfeito

O sargento e o aspirante

E ambos do mesmo jeito

A indagação seguia

Coiteiro nada dizia

A respeito do sujeito.

Cada vez que a volante

O fazia confessar

E para dizer aonde

Lampião podia estar

Ele mais se denegava

Mais ainda se enrolava

Sem saber o que falar.

Esse coiteiro coitado

Gaguejando respondia

Oh, meus senhores, eu juro

Pela Mãe Virgem Maria

Não tenho ideia aonde

O Lampião se esconde

Nem de noite e nem de dia.

Como do seu paradeiro

Também muito que ignoro

Muita gente gosta dele

Nem por isso eu lhe adoro

Estou falando a verdade

Peço-lhes por caridade

Não me maltratem, imploro!

O aspirante percebeu

Que o coiteiro mentia

A cada resposta dada

Ele mais se irritaria

O agente de Lampião

Caía em contradição

Logo que lhe respondia.

De pistola empunhada

O aspirante o abordou

Logo o cano da arma

Na sua boca botou

E disse-lhe: fale agora

Já passou até da hora

A paciência acabou.

O tenente nessa hora

Pediu calma pra o aspirante

Que estava tão furioso

Nem ouviu o comandante

Pra o coiteiro se voltou

Novamente o ameaçou

Ante a guarda-volante.

Diante essas ameaças

Coiteiro não suportou

E disse: estão acolá

Pro outro lado apontou

Olhou pro rio constrangido

E de coração partido

Lampião ele entregou.

Perante a revelação

A volante se agitou

O tenente ouviu bem

Depois se preocupou

Sem demonstrar nenhum medo

Já diante esse segredo

Pra o coiteiro perguntou.

Diga quantos cangaceiros

Têm lá naquela trincheira

O coiteiro respondeu

Ainda na tremedeira

Uma base de setenta

Tudo isso aí representa

Parceiro e companheira.

Aí o tenente Bezerra

Por um instante pensou

Disse: somos minoria

Desistindo quase estou

O sargento rebateu

E sendo assim lá vou eu

Para seu grupo falou.

Quem é que está comigo?

Um passo à frente bradou

Em seguida um soldado

Na sua frente marchou

O segundo e o terceiro

E, por fim, o grupo inteiro

Junto ao sargento chegou.

O sargento persistia

Prosseguir com a missão

Mesmo com dezesseis homens

À sua disposição

Ele estava disposto

Honrar seu nome e o posto

Do pequeno pelotão.

O comandante Bezerra

Olhou os subordinados

Intuiu que eles estavam

Muito bem encorajados

E bradou em alta voz

Dizendo lá vamos nós

E marchou com os soldados.

E saíram rio adentro

Após essa decisão

Estavam determinados

Fazer justiça ao sertão

Com Bezerra no comando

A volante ia remando

À caça de Lampião.

Em terreno sergipano

Esse grupo de milico

Por volta da meia-noite

À beira do Velho Chico

Em silêncio ancoravam

E em seguida marchavam

Para a Grota de Angico.

A volante sem demora

Foi pra casa de Durval

Ele era a peça chave

Daquela trama brutal

Pois sabia exatamente

Onde Lampião e sua gente

Escondiam-se, afinal.

Naquela noite o irmão

De Pedro o senhor Durval

Um dos coiteiros do bando

Lampião em especial

Olhos, pois, jamais fechara

Preocupado ficara

Com ronda policial.

De repente ele escuta

Na porta forte batida

Em silêncio se levanta

Sem dar um sinal de vida

E na pontinha do pé

Vai ver quem primeiro é

Cria coragem e intimida.

Quem é que está aí?

E perguntou esse coiteiro

Lá de fora alguém responde

Suave e sorrateiro

Sou eu Pedro seu irmão

Abra a porta sem tensão

E venha cá pro terreiro.

Ali Durval sem demora

Ligeiro a porta abriu

Rudemente um soldado

Nem licença lhe pediu

Para fora o arrebatou

Pelo seu braço puxou

Aos tombos ele saiu.

Além daquele puxão

Durval ainda sofreu

Um forte tapa na cara

Logo ao chão se estendeu

O aspirante Ferreira

Não tava pra brincadeira

Outra vez nele bateu.

O comandante Bezerra

Naquele mesmo instante

Pediu-lhe tranquilidade

Advertindo o aspirante

Não mais açoite o rapaz

O que disse satisfaz

Pra mim já é o bastante.

Para o destino escolhido

Eles saíram ligeiro

Naquela mesma paragem

Outro grupo patrulheiro

Já estava de plantão

Aguardando o pelotão

Guiado pelo coiteiro.

E dali eles partiram

Para a fazenda Angico

Acompanhando o coiteiro

Nas trilhas do Velho Chico

Pra surpreender Lampião

Com todo seu batalhão

Naquele covil de bico.

Enquanto isso mais gente

Lá no coito ia chegando

Eles se congratulavam

Boas-vindas desejando

No meio daquele aprisco

Só o grupo de Corisco

Ainda estava faltando.

Lá naquele esconderijo

O grupo de cangaceiro

Sereno e sorridente

Divertia-se todo alheiro

Ninguém ali imaginava

O anjo da morte aceirava

Frígido e bem sorrateiro.

Já estava perto da noite

Aquela serenidade

Alguns já se alojavam

Após a solenidade

Enquanto outros ainda

Bem naquela tarde linda

Ousam na festividade.

Mas dentro dessa alegria

Nada estava tudo bem

Algo parecia errado

Com Virgulino também

Alguém enquanto brindava

Mais Lampião se isolava

Do seu pequeno harém.

Seu semblante transmitia

Que sentia o coração

Estava um tanto estranho

Em pessoa o capitão

Enquanto a tarde partia

Também já se despedia

Do afamado Lampião.

Logo alguém daquele grupo

Notava que Lampião

Estava bem diferente

No seu canto caladão

Seu astral denunciava

Cada vez mais se enjaulava

Incluso no seu mundão.

Aquela pessoa fica

Também mais preocupada

Para Maria Bonita

Indagou muita educada

Qual o motivo e razão

Do parceiro Lampião

Estar nessa dor danada?

Porém sem muito rodeio

Ela logo respondeu:

Já faz mesmo um bom tempo

Que ele está nesse breu

Tristonho e acabrunhado

Arredio e reservado

Vivendo no mundo seu.

Tinha Maria Bonita

Sugerido a Lampião

Renunciar ao cangaço

Pra morar noutro sertão

Ele sequer deu ouvido

Para aquele seu pedido

Ignorou a questão.

Maria Bonita em frente

Com sua argumentação

Aquela amiga lhe ouvia

Com bastante atenção

Ela confidenciava

Pensamento viajava

Despedindo do sertão.

Passava da meia-noite

O vento soprava forte

Fazendo redemoinho

Ao Leste, ao Sul e Norte

E ressoava o trovão

Que avisava a Lampião

A hora de sua morte.

Enquanto isso lá no coito

Parte dos seus cangaceiros

Já até se acomodavam

Outros chamavam parceiros

Para um jogo de carta

Numa mesa já bem farta

Entre joias e dinheiros.

E das mulheres somente

A amiga e Maria Bonita

Circulavam pelo coito

Lá e cá feito cabrita

Durante aquele vaivém

A amiga nota além

Uma luz lá que se agita.

A amiga ligeiramente

Para Maria relatava

Daquela luz lá ao longe

Que acendia e apagava

Ela diz de supetão

Estás vendo assombração

Essa luz a ignorava.

São luzes de vaga-lumes

Maria acrescentou

Mas àquela conclusão

À amiga não contentou

E ficou observando

Outra vez a luz piscando

Para Maria falou.

A mulher de Lampião

Estava desapontada

E se lastimava muito

Já decepcionada

Com aquela luz distante

Ela em nenhum instante

Esteve preocupada.

Aquela luz que acendia

Ao mesmo tempo apagava

Não era de vaga-lumes

Como Maria pensava

Era o farol da volante

Que piscava incessante

Dela mais perto chegava.

Tenente João Bezerra

Com os seus tais companheiros

Ali por trilhas diversas

Por entre os espinheiros

Andando em fila indiana

A volante alagoana

À caça dos cangaceiros.

A volante ao se chegar

No abrigo de Lampião

Ligeiro João Bezerra

Reuniu seu batalhão

Ele com muito cuidado

Pediu pra cada soldado

Redobrar sua atenção.

O comandante Bezerra

Frente das suas funções

Dividiu em quatro grupos

Aquelas coligações

De recruta a oficial

Quarenta e cinco o total

De todos seus guardiões.

Fuzis e metralhadoras

Estavam bem equipados

E tanto os comandantes

Bem como seus comandados

Percebia-se nos rostos

Que eles estavam dispostos

E também determinados.

João Bezerra, o tenente

Perante aquele esquadrão

Outra vez lhes avisava

Com e determinação

Disse-lhes: fiquem atentos

Pois quaisquer movimentos

Pra ficar de prontidão.

Tenente continuava

Com a sua preleção

Para todos os presentes

Pediu coragem e ação

Não queria ver ninguém

Se fazendo de refém

Tremendo de arma na mão.

Estava determinado

Fazer justiça ao sertão

Recebia a incumbência

Dar cabo de Lampião

Ele de qualquer maneira

Não deixaria a trincheira

Sem cumprir a missão.

Naquele exato momento

Ordena ao seu pessoal

Pra ocuparem seus lugares

Para o combate fatal

Só era para avançar

Esse inimigo e atacar

Quando ele desse o sinal.

O coito dos cangaceiros

Tá totalmente cercado

E Lampião nessa noite

Estava mais relaxado

Sequer uma sentinela

Ele botou de janela

Para ficar resguardado.

Lampião vinha escoltando

Movimento da volante

Do tenente Zé Rufino

Por meio do seu informante

Da polícia sergipana

Pensou naquela semana

Dela estava bem distante.

Estava despreocupado

Também muito confiante

Ele nunca imaginara

Naquele exato instante

A volante do tenente

João Bezerra e sua gente

Desse-lhe aquele flagrante.

Outras volantes jamais

Tiveram facilidade

Aproximar-se de um coito

Na maior tranquilidade

Sem que nenhum cangaceiro

Não percebesse primeiro

Qualquer anormalidade.

Aos vinte e oito de julho

Desse ano de trinta e oito

Uma fria madrugada

Envolvia todo o coito

Esse denso nevoeiro

Caía ali no groteiro

Onde estava o bando afoito.

Em seguida a volante

Já bem posicionada

Lá de onde ela estava

Ouvia-se gargalhada

Um e outro cangaceiro

Acordava o companheiro

Para uma nova jornada.

Nem todos os cangaceiros

Já estavam acordados

Porém os seus movimentos

Logo eram acompanhados

Ali muito claramente

Pelo oficial tenente

Com os seus subordinados.

Os soldados se achegam

E sem fazer burburinho

Aproximam-se de vez

Já chegando bem pertinho

Do bando de cangaceiros

Sisudos e sorrateiros

Pisando em miudinho.

No coito com Lampião

Somando a companheira

Trinta e cinco cangaceiros

Estavam lá na trincheira

E só a mão do Divino

Salvaria Virgulino

Da cilada traiçoeira.

Todos os soldados já

Estavam de prontidão

Com o dedo no gatilho

E na melhor posição

Com os rifles apontados

Dispostos e preparados

Pra executar Lampião.

Ia aquele cangaceiro

Pela trilha do grotão

À procura do riacho

Sem muita preocupação

Um balde d’água buscar

Para o café preparar

Pro pessoal e o chefão.

De repente um soldado

Avistava o cangaceiro

Vem na sua direção

Displicente e faceiro

O militar agitado

Faz um sinal para o lado

Para o seu companheiro.

O soldado ansioso

O seu mosquetão mirou

E lá vem o cangaceiro

Mais perto dele ficou

E aquele combatente

Com rival a sua frente

Nele um tiro desfechou.

Esse tiro disparado

Atingia o cangaceiro

Ele imediatamente

Adentra-se no espinheiro

Saía correndo aflito

Pulando feito um cabrito

Por cima de pau e lajeiro.

E depois daquele tiro

Aí o tempo se fechou

E uma chuva de bala

Pela Grota desabou

Cangaceiros abismados

Fugindo desesperados

Mas de nada adiantou.

Lampião naquele instante

Foi prontamente alvejado

Com um tiro no pescoço

Já caiu estatelado

O imbatível capitão

Estrebuchava no chão

Já todo ensanguentado.

Esse ataque de surpresa

Arrasava os bandidos

Até por todos os lados

Eles estavam rendidos

A volante encurralava

Metralhadora cantava

Só se ouviam os gemidos.

O oficial comandante

Com todo seu batalhão

Cercavam cada vez mais

O inimigo no grotão

O tiroteio estrondava

Bala zunia e cortava

Sem dó e sem compaixão.

O alvoroço era grande

Tiroteio era incessante

O grupo de cangaceiros

Estava desconcertante

Completamente sem rumo

Embananado e sem prumo

Bem na mira da volante.

Era agressivo demais

O cerco policial

Bandidos aventuravam

O bloqueio era mortal

Mais cangaceiro morria

A besoureira zunia

O pânico era geral.

Bezerra, então, dava as ordens

Comandava e combatia

A sua metralhadora

Disparando prosseguia

Cada oponente abatido

Através de um estampido

Era um urro de alegria.

Tenente continuava

Combatendo o inimigo

Ele pouco se importava

Do verdadeiro perigo

Cada rival metralhado

Se sentia aliviado

Adentro daquele abrigo.

Um cangaceiro avistava

Lampião estrebuchando

Correu para acudi-lo

Pra salvá-lo foi pensando

Aí que ele se enganou

Um projétil o fuzilou

Já caiu rodopiando.

E Maria Bonita vendo

Lampião ali estendido

Praticamente sem vida

Por um tiro atingido

Pra junto dele correu

Pelas costas recebeu

Um nocivo estampido.

A polícia novamente

Mais disparo executou

Maria Bonita, de fato,

Logo ao solo se curvou

E ela já quase sem vida

Levantou-se em seguida

Mas ali cambaleou.

Maria de Virgulino

Finalmente desabou

Desmoronando ao lado

De quem ela tanto amou

Juntou-se a Lampião

E num adeus ao sertão

Agonizando ficou.

Entretanto se encerrava

Entre sangue bala e dor

Na história do cangaço

Maior novela de amor

De Maria e Lampião

Feito de ódio e paixão

Do Agreste o mais sedutor.

Durante quinze minutos

De tiroteio intenso

Ali na Grota de Angico

Parecia mais um incenso

No ar enorme torreão

Por toda sua extensão

Pelo seu vale imenso.

Um soldado da volante

Não teve nem compaixão

Olhou para Virgulino

Ali sem vida no chão

Com a pistola empunhada

Mirou bala engatilhada

No crânio de Lampião.

Outro soldado também

Empunhando um facão

Aliás, enfurecido

Urrando feito um leão

Num gesto descomunal

Desumano e bestial

Decapitou Lampião.

Portanto a partir dali

O massacre começou

A volante do tenente

Logo se descontrolou

Ali pelo coito inteiro

Cabeça de cangaceiro

Por todo canto rolou.

Após o feito do praça

Seu amigo o imitou

Ligeiro de suas mãos

Seu facão arrebatou

Rápido e num golpe só

Ele sem remorso e dó

A Maria degolou.

Cessando o tiroteio

Veio à selvageria

Essa volante entre si

Disputava à luz do dia

Todo cangaceiro morto

Lá naquele solo horto

Após a fuzilaria.

Todos os pertences deles

Logo foram saqueados

Tanto aqueles comandantes

Como os seus comandados

Pleiteavam os objetos

Num clima de desafetos

Criado pelos soldados.

Dinheiro joias e outros

O ouro principalmente

Era o mais procurado

Nesse fúnebre ambiente

A volante prosseguia

Com sua selvageria

E enlouquecidamente.

Facas, facões e pistolas

Cartucheiras e bornais

Alpercatas e chapéus

Mais mosquetões e punhais

Rifles, cantis e anéis

E vários contos de réis

Levaram os policiais.

O cachorro Guarani

Tão fiel a Lampião

Não escapou à tirania

Do furioso batalhão

Soldado chamado Santo

Irritado com seu pranto

Assassinou o pobre cão.

Tenente João Bezerra

Também foi lá baleado

Por ajuda ele gritava

E todo desesperado

Pedia aos seus patrulheiros

Além de outros companheiros

Foi logo ele resgatado.

Enquanto isso lá na Grota

Os corpos dos cangaceiros

Jaziam no solo úmido

Ali por entre os parceiros

Expostos e a olhos nus

Aos olhos dos urubus

A amostra nos lajeiros.

Durante esse tiroteio

Um praça é assassinado

E foi a única baixa

De todo o grupo aliado

Um tiro e bem certeiro

Da parte de um cangaceiro

Fuzilava esse soldado.

Lá na Grota de Angico

Nove homens liquidados

Apenas duas mulheres

Morre entre os fuzilados

Nessa chacina insolente

Pelo coiteiro presente

Eram identificados.

Morreu Maria Bonita,

Luiz Pedro e Lampião

Macela, Colchete e Elétrico

Alecrim e Mergulhão

Quinta-feira e Enedina

Na mesma carnificina

Moeda finda o listão.

Portanto nessa cilada

Morrem onze cangaceiros

E como prova do feito

Os atrozes quadrilheiros

Têm as cabeças cortadas

Para ali serem mostradas

Para outros companheiros.

Cessava-se o massacre

E as cabeças dos mortos

São postas lá nas canoas

Ficam só os corpos tortos

Ali na Grota espalhados

E já bem danificados

E aos abutres aportos.

Na cidade de Piranhas

Cabeças dos homicidas

Em latas de querosenes

Elas ficaram mantidas

Lá naquela praça pública

A mandado da república

Aos povos eram exibidas.

Notícia corria mundo

De morte de Lampião

A alegria era contínua

Por distinta região

Teve até sertanejo

Que organizou cortejo

E soltava foguetão.

E muita gente também

O lembrava com conceito

Para alguns ele foi mau

Para outro bom sujeito

Mas Lampião socorreu

Aquele que o acolheu

Ele tratou com respeito.

Partia de Aracaju

Um grupo especial

Formado de um delegado

Escrivão policial

Ali um médico-legista

Ainda segue na lista

Um capitão regional.

Pelo Rio São Francisco

A comitiva subia

Angico era o destino

A viagem prosseguia

Para Alagoas, o estado

Lá de certo povoado

Coiteiro os conduziria.

Pelo leito do riacho

O dito-cujo ia à frente

Guiando a expedição

Mas partia descontente

Penoso e desnorteado

Com o coração apertado

Caminhava lentamente.

Bem no centro desse coito

Acolá desembocaram

O grupo desnorteou

Quando ali se depararam

Mortos pra todos os lados

Pela Grota espalhados

Muito chocados ficaram.

Aquele olor de defuntos

Como estava insuportável

Aquele cheiro exalado

Parecia indecifrável

A cena era apavorante

Espantosa e arrepiante

Além disso abominável.

Essa Grota de Angico

Estava bem destroçada

Ela parece que tinha

Sofrida uma enxurrada

Árvores fora de lugar

Raízes pernas pro ar

Do feito da emboscada.

Aqueles corpos humanos

Sem cabeças e espalhados

Ali em cima de pedras

Em buracos lá jogados

Uns mutilados e mais

Pepinados a punhais

Por urubus beliscados.

Ainda sem mãos ou dedos

Retalhados a facões

Abatidos lá no mato

Dos tiros dos mosquetões

Um cenário bem macabro

De temível descalabro

Aos olhos dos espiões.

Então para completar

Esse auto de compaixão

De muitos chapéus a lenços

Cosmético e matulão

E de cartas de baralhos

Adentre outros mangalhos

Espalhados no grotão.

Outros tantos artefatos

De uso dos cangaceiros

Ficaram lá submersos

Por entre os espinheiros

As peças de vestuários

Rolavam pelos calcários

No meio dos marmeleiros.

Bem naquela cena trágica

Os membros da comissão

Avançavam coito adentro

Com a investigação

Cada corpo encontrado

Já era questionado

Sua identificação.

Esse coiteiro estava

Com o coração na mão

Ele andava entre os mortos

Olhando com atenção

Apontava com o dedo

Estremecendo de medo

Como visse aparição.

E com muita segurança

E bastante precisão

Esse coiteiro indicava

Cadáver de Lampião

Com o seu dedo em riste

Tremendo todo e triste

Esse é o Capitão.

Essa é Dona Maria

Com pesar ele apontava

Senhor médico-legista

No seu caderno anotava

O nome do cangaceiro

Que o mísero coiteiro

No coito identificava.

O coiteiro prosseguia

Com a marcha funeral

Identificando outros

Seguindo seu ritual

Esse aqui é fulano

Aquele ali é sicrano

Como um cerimonial.

São nove homens e duas

Mulheres nessa chacina

Todos mortos cruelmente

Pela volante assassina

Desonesta e traiçoeira

Malvada e bandoleira

Cachaceira e cretina.

E alguns desses defuntos

Com identificação

Inclusive rei e rainha

Maria e Lampião

Numa vala são jogados

Já outros foram largados

Ali mesmo no grotão.

Enterrava o Lampião

Ali naquele ribeiro

Sobre sua sepultura

Escrevia-se um letreiro

Pelas rodas do destino

Aqui jaz o Virgulino

O último cangaceiro.

FIM.

Francisco Luiz Mendes
Enviado por Francisco Luiz Mendes em 01/08/2019
Código do texto: T6710087
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