APERREIO
Ardente pele castanha
Sobre ossos enfadados
A face tosca se banha
De suores enlameados
O corpo em abandono
Quase perdendo o dono
O dono quase sem nada
A boca comi o ruim
Os olhos vêem o fim
De uma vida minguada.
A morte feia no cio
Pelas entranhas se some
Vadiando dá um pio
Atrás do macho da fome
Depois que pari enterra
Cospe por cima da terra
Sopra fogo e atiça
O rebento moribundo
Que veio nascer no mundo
Pra ser só pó e carniça.
Nem os pés nem as mãos
Nem os lábios ressequidos
E nem o sopro nos vãos
Dos ouvidos entupidos
Dormente eternidade
Latejante crueldade
Devora um inocente
Este dá coice e berra
Na goela quente da terra
Judiando do valente.
Os ombros sob os gibões
A fé sobre as dores
O fel entre os pulmões
O aguado dos sabores
A esperança medrosa
Se debruça preguiçosa
Na janela do vazio
O diabo sem espora
Geme, pena e chora
Na quentura do estio.
Mesmo sem ter nem haver
Surdo cego e mudo
A alma chega a ferver
Sentindo falta de tudo
O medo solta estalo
Relincha feito cavalo
No tronco da baronesa
A faca corta o bucho
Do indigente já murcho
Seco por natureza.
O feitio de menino
No amarelo dos dentes
A luta pelo destino
Nas maldades inocentes
A fala tosca não disse
Que mocidade, velhice
São bois da mesma canga
Quem nasce chora coragem
Com lágrimas de barragem
Engasgando dor e zanga.
O príncipe do flagelo
Sem o boi e sem o carro
Agoniza no castelo
Sobre um trono de barro
Sem ter o vinho na taça
Enlouquece com cachaça
Por dentro das coivaras
E nesta saga medonha
Canta, dança brinca sonha
Com um reinado de varas.
Porem tal qual um profeta
Da terra do sol a pino
Prega, grita e oferta
Um milagre clandestino
As multidões de mulambos
Cambaleiam fracos bambos
Como marchar de saúva
Pedindo leigos ao léu
Ao alfaiate do céu
Uma mortalha de chuva.
Na terra desalinhada
Cisca magra siriema
Se livrando das furadas
Dos espinhos da jurema
Assim faz o matuto
Cisca em um solo bruto
Com as unhas dando corte
Pra ver a vida nascer
E assim se defender
Das espetadas da morte.
Avante grita insano
Com uma lança rendada
Em um cavalo de pano
Com a cara remendada
Das muralhas do estio
Conclama um pastoril
Para um combate mouro
Forjado de pedra e pau
Nos portais do arraial
Brada o herói de couro.