MÁRIA FARINHA.
Chegou Maria farinha
Rompendo léguas vencidas
No sol trajando poeira
Com suas mãos encardidas
Maria do pé rachado
Pisando um chão cavado
De tocos, pedras e brocas
Mascando ervas nativas
Maria mãe das manivas
Do mundo das mandiocas.
Vem cheirando a cardeiro
No pingo do meio dia
Traz nos braços um balaio
Entupido de magia
Tem no colo um rosário
De um feitio precário
Salpicado de encanto
Nos dedos anéis de cipós
Trançados todos em nós
Tirados do mesmo canto.
Maria riso de coco
Da alma feita de goma
A noite abre a boca
E todo sereno toma
Maria branca da lua
Caipora seminua
Forte, farta e pura
Maria gosto de fuba
Dos seios de massa puba
E lábios de rapadura.
Maria farinha traz,
Um roçado de cansaço
Três punhais de esperança
E um desejo de aço
Um sol de fogo no peito
Queimando todo defeito
De mazelas aleijadas
Uma combreia de lata
Duas botijas de prata
Mil patacas furadas.
Um carro de boi cantando
Devagar velho e lento
Carregando sem dá fé
Um menino fedorento
Maria dando risada
Dando a ele cocada
Tareco, broa e pão
Um carrossel de confeito
Uma cacimba no peito
Pra lhe acudir no verão.
Maria farinha possue
Nos bicos dos peitos sumo
Um colchão de palha seca
E quatro rolos de fumo
Um fole de oito baixos
Amores dando em cachos
De infinitos tamanhos
Um carretel de poema
Bordando o diadema
Nos seus cabelos castanhos.
Maria farinha vem
Puxando uma procissão
Com um cesto de pitomba
E um santo de jibão
Poetas embriagados
E outros cabras safados
Batendo em couro cru
Assim la vem o cortejo
Com melancia e queijo
E dez hóstias de beiju.
O curió curioso
Se esconde no jatobá
Pra ver Maria farinha
Passar com um aguidá
Carregado de xerém
Pra levar não sei pra quem
Talvez pra boca dum filho
Enquanto o tal curió
Cubiça chega dá dó
Aquele manjar de milho.
Maria farinha vem
Rinchando feito jumento
Mordendo e dando coice
No espinhaço do vento
Vem lambendo o orvalho
Balançando o chocalho
Num alarido de lutas
Louvando as lavadeiras
Beatas, velhas parteiras
E outras santas matutas.
Talvez esteja cansada
Vai vê cochila com sono
De andar sem ter destino
Num mundo que não tem dono
A noite vem bocejar
Roncando um trovejar
De estampidos medonhos
A madrugada caminha
Dorme Maria farinha
Sobre um leirão de sonhos.