A liçãodo desafeto.
Num lugar bastante estranho
Meu passado eu revivi
Vi detalhes que envergonho
Outros que já esqueci
Vi as coisas que arrebanho
Com a vida que escolhi.
Meu passado me condena
Palas faltas cometidas
O presente me ordena
Cumprir coisas prometidas
O futuro coordena
Muitas batalhas perdidas.
Meu desejo vem à tona
Pra cobrar o impossível
A coragem me abandona
Fico irreconhecível
Meu viver não me abona
Por eu ser irreversível.
Minhas mágoas me detêm
No portal da amargura
Solidão para mim vem
Por não ter na voz doçura
Quando ao longe vejo alguém
Eu me entrego á desventura.
N o meu circo de prazeres
Sou palhaço caricato
Sempre esqueço os afazeres
Só me lembro do retrato
Onde vejo os meus deveres
Que assumo no contrato.
Se perguntam aonde vou
Eu respondo que não sei
Eu vou sempre aonde estou
Não saí e não cheguei
Sou alguém que atuou
No palco que não entrei.
Sou um falso moralista
Que pregou sem praticar
Fui ateu e comunista
Joguei pedra no altar
Tentei ser malabarista
Talentoso em fracassar.
Fui solteiro e fui casado
Fui ladrão e fazendeiro
Empregado do Estado
Fui atleta e cozinheiro
Um letrista fracassado
Sem comida e sem dinheiro.
O meu tempo eu consumia
Nos botecos que encontrava
Retornar eu prometia
Pra pagar o que comprava
No momento que eu saia
Era um que eu enganava.
Ia assim vivendo a vida
Sem qualquer ocupação
Sem me ocupar na lida
Sem nenhuma obrigação
Nunca ouvi na despedida
Que eu era um cidadão.
Um certo negociante
Disse a mim o necessário
Disse que é humilhante
Não ganhar algum salário
Pra mulher é aviltante
Para o homem é um calvário.
Repetiu que sou malandro
Mas posso modificar
No caminho aonde eu ando
Nada bom vou encontrar
Devo me afastar do antro
Que insisto em frequentar
Eu falei que sou bonzinho
Nada sou porque não tenho
Comecei pequenininho
Praticar o meu engenho
Se eu vou ao inferninho
É porque de la eu venho.
Solidão me apavora
Fujo dela todo dia
Se eu falo em ir embora
Ouço vivas de alegria
Uma mulher me adora
Me faz sua companhia.
Decidi mudar de vida
Num momento de fraqueza
Procurei uma saída
Para a dor e pra tristeza
Com medo da recaída
Fui em busca da certeza.
Encontrei numa morada
Que um dia abandonei
Estava desarrumada
Mas eu não desanimei
Deixei toda preparada
Para um justo que encontrei.
Esse justo, um desafeto,
Foi alguém que me amparou
Não me fez de objeto
E jamais me criticou
Ensinando a ser correto
Um perdido ele salvou.