UM ÉBRIO NO CHÃO.

Na mão um velho isqueiro

Tosco, sujo e quebrado

Um cigarro amassado

Preso no bolso tarseiro

A carteira sem dinheiro

Velha e já desbotada

Uma camisa rasgada

E o semblante sem graça

Tonto cheio de cachaça

Tá o ébrio na calçada.

O cabelo em desalinho

Cheirando mal e barbado

E um cinturão surrado

Arranhado de espinho

Um anel de armarinho

Faturado no baralho

Um paletó em frangalho

Que recebeu de esmola

Embrulhado numa sacola

Para ser seu agasalho.

O chapéu solto no chão

Balançando com o vento

Na testa um ferimento

Da quina de um balcão

Um santo de devoção

Pendurado no pescoço

Um velho pente de osso

De um valor bem barato

E no bolso um retrato

De quando ele era moço.

Os sapatos pó e lama

Sujos e ofuscados

Uns folhetos amassados

De uns autores de fama

Alguns gravetos de grama

Grudados na sua meia

O rosto cheio de areia

Desvalido do seu ego

E preso com um nó cego

Um caneco na correia.

As calças já remendadas

Cobrem o pobre homem

O seu seco abdomen

São só pele em camadas

Umas riatas cortadas

Arreiam sobre o coz

Em um cenário atroz

Tá o ébrio desprezado

Como quem atopelado

Por um destino feroz.

Seu único companheiro

Não se vicia em nada

Uma lata enferrujada

Ainda exala um cheiro

De um azedo tempero

Restos de uma comida

A lata no chão caida

Espalha o lixo no chão

Para que o pobre cão

Coma pra salvar a vida.

Deitado, indiferente

Sem ligar pro embaraço

Está sob o seu braço

A garrafa de aguardente

O corpo todo dormente

Sem força no precipício

Coitado sem artifício

Jogado no chão batido

Como um preso detido

Condenado pelo vício.

Umas manchas pelo chão

Marcadas pela sujeira

Como nódoa corriqueira

Carimbando a podridão

O bêbado bate a mão

Procurando o cigarro

E a mão bate no barro

Duro como um rochedo

É então que suja o dedo

Na mancha do seu escarro.

Perto do braço magrelo

Uma cuia emborcada

Uma moeda jogada

Revelando o flagelo

Sai um caldo amarelo

Vindo da cuia antiga

Parecendo uma liga

Mostrando o fim do saldo

E quem aproveita o caldo

É a miúda formiga.

O pobre ali caido

Fraco e embriagado

O que pode ter herdado

Foi um mundo destruído

Assim vive esquecido

Como um pau na estrada

Que levou tanta pedrada

Ao ponto de apodrecer

O que restou foi beber

Se viciar e mais nada.

Seu nome ninguém conhece

Nem sabem de onde vem

Deve ser um Zé ninguém

Que qualquer nome merece

Bebendo logo esquece

Da sua vida carente

Assim outro trago quente

Ingere nas madrugadas

Depois cai pelas calçadas

Como se não fosse gente.

Um lenço sujo cumprido

Rasgado sem serventia

Uma garrafa vazia

Com o rótulo ruido

Meio limão espremido

Que serviu de tira gosto

Tudo isto tá exposto

Numa calçada atoa

Onde um ébrio enjoa

Vomitando seu desgosto.

E o tempo vai correndo

A brisa sopra tranquila

O ébrio no chão cochila

Sem sem saber que tá sofrendo

E aos poucos vai morrendo

Sem saber porque viveu

Cobrindo o corpo seu

Estão feias sombras foscas

É um enxame de moscas

Pensando que ele morreu.

Pensando que ele morreu.

Ebenézer Lopes
Enviado por Ebenézer Lopes em 15/06/2018
Reeditado em 20/08/2020
Código do texto: T6365067
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