CONVITE DE ANIVERSÁRIO

Da janela da palhoça,

Atravessando minha roça

Espiei um cavaleiro chegar

Distinto, vestia casaca

Passou a primeira estaca

Sem mesmo palavra falar.

Entregou-me um envelope

Partiu ligeiro a galope.

Convite de aniversário

Sem nome de remetente

Nem sobrescrito na frente

Se tinha o destinatário.

Quem houvera de mim lembrar?

Sozinho no mato a morar!

Plantando e criando comida

Sem parentes, sem amigos,

Nem conhecidos antigos

Sentindo o correr da vida.

Quem sabe que esta alma existe?

Nunca recebi convite,

Sequer para tomar café.

Chegar-me este é surpresa.

Aceitarei, com certeza,

Mesmo que tendo de ir a pé.

De quem era o natalício?

Não tinha o menor indício.

Um mapa mostrava o local.

Às margens do Riacho Forte,

Na estrada que vai pro Norte,

Na decida de um bananal.

Dessa festa não sei dizer,

Nem que data me fiz nascer.

Perdi muito da memória.

Sobrou o que me foi contado,

Até nome uso o adotado,

Ouvi e guardei minha história.

Trabalhador e correto,

Tivera família e teto,

Filhos, afilhado e sobrinho,

Tinha até uma companheira

Quando fui pra bandalheira

E afastei do bom caminho.

Era álcool, droga e fumaça,

E tudo quanto é desgraça

Que o bicho mau bota na rua.

Perdi o sentido da vida,

Família também perdida.

Camisa rota, costa nua.

Pra não sujar a cidade,

Fizeram-me a caridade

De no monturo me jogar.

Como porqueira imprestável,

Lixo, doença incurável,

Carniça de nunca voltar.

Sei que um bom samaritano,

Criatura do céu e humano,

Levou-me pro seu barraco.

Banhou-me com água e sabão,

Serviu-me fruta, leite e pão,

Deu cama, abrigo a este fraco.

Ensinou-me a crer e rezar,

Ter fé, nova vida buscar,

Escrever e ter leitura.

Arrepender das maldades,

Fazer novas amizades.

Ter mais saber e cultura.

Falava de minha perdição,

Da fé na recuperação,

De não voltar ao passado.

Do bom futuro promissor,

Talvez mudar-me pro interior,

Lidar com plantação e gado.

Com minhas perebas curadas,

Fui trilhar novas estradas,

Concordei com o desafio.

Aprendi a plantar mandioca,

Fazer farinha de tapioca,

Cultivar grãos e erva-de-fio.

Trabalhei para três patrões

Na lavoura, com as criações,

Ganhei muito conhecimento.

Foi trabalhando em fazendas,

Que juntei algumas rendas,

Comprei terra e documento.

Domingo de manhãzinha,

Cuscuz e café na cozinha,

Vesti roupa engomada,

Selei meu cavalo branco,

Que galopa e sobe barranco,

Peguei a estrada indicada.

Segui o que o mapa informava,

E pra onde o nariz apontava.

Cheguei sem muito remancho

Enfeites e bandeirolas,

Sanfona, zabumba e violas,

A grande festa no rancho.

Música e dança pararam,

Todos para mim olharam.

Ganhei uma salva de palmas.

Desajeitado eu fiquei

Do cavalo logo apeei,

Quem eram aquelas almas?

No meio daquele silêncio,

Vi Frei Jomar Inocêncio

Aquele que me salvara.

De braços com uma senhora,

Que me deu flores da hora,

Beijou como pessoa cara.

Abraçaram-me igualmente,

Três moços e muita gente.

Não me senti solitário.

Quando parabéns cantaram,

Todos pra mim apontaram

Festa do meu aniversário!

Roberio Sulz
Enviado por Roberio Sulz em 25/05/2018
Código do texto: T6346100
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