LÁ VAI O BURRO!
Lá vai o burro de carga
Levando tudo que pode
No lombo há uma chaga
Do peso que lhe sacode
Mas ele segue calado
Levando um peso danado
Ardendo sob o sol quente
Suportando o peso
Vai o burro indefeso
Cansado e inocente.
Lá vai o burro da lida
Levando sina e sorte
Puxando vida doida
Pelos caminhos da morte
Vai respirando poeira
Sentindo toda canseira
Que o destino obriga
Tangido vai pelo vento
De um sertão poeirento
Que vida seca mastiga.
Lá vai o burro da fome
Levando pedra, graveto
Que nem bebe nem come
Só serve de amuleto
Pra atrair a tristeza
Armada de malvadeza
Como carcará faminto
Voando sobre o coitado
Com o bico afiado
De venenoso instinto.
Lá vai o burro da prece
Levando fé e coragem
Pois disso muito carece
Pra prosseguir a viagem
Em terra tão desolada
Onde não nasce mas nada
Só serve como esteira
Onde seca a ossada
De uma vida passada
Que hoje é só caveira.
Lá vai o burro do sol
Levando pó e mormaço
Como quem leva um paiol
De ranço e de bagaço
A brasa não lhe dá tréguas
Queimando léguas e léguas
Em um caminho sem fim
Que só faísca centelha
Na caatinga vermelha
De caninanas ruins.
Lá vai o burro de caça
Levando a esperança
Puxando fraco a desgraça
Quanto mas puxa mas cansa
Mas não olha os fiascos
Nem as feridas dos cascos
Valente vai adiante
Levando forte supapos
Coberto pelos farrapos
Mulambos de retirante.
Lá vai o burro de raça
Levando todo o sertão
De pele osso e carcaça
De cobra e gavião
Novenas e vaquejadas
Sanfonas, redes armadas
Farinha e baião de dois
Sertão de velhas parteiras
E cargas de bananeiras
levadas por carros de bois.
Lá vai o burro de terra
Carregando urtigas
Serpentes que tem na serra
Tamanduás e formigas
Cascavéis e perdizes
Mandacarus e raízes
Furadas pelas lagartas
Que andam no chão batido
De canto a canto ruido
Por solas de alpercatas.
Lá vai o burro lá vai
Levando tudo da vida
Tropeça porem não cai
Sangra sua ferida
Pisando na carrapeta
Podre na lama preta
Da beira seca do rio
Onde um pobre coitado
Arreia o corpo enrrugado
Pelo o sol do estio.
Lá vai o burro do adeus
Por um caminho sem volta
Levando os pesos seus
Que nem cortando se solta
Não para na caminhada
Com sua carga pesada
Que ele tem por missão
Quem sabe ele descanse
E nesse dia alcance
Alívio por gratidão.