TUNICO DA SINHANA
O Tunico da Sinhana,
era um menino especial.
Além de não bater bem das ideias,
tinha um tamanho descomunal,
mas era um bondoso menino,
e a ninguém ele fazia mal.
Com quase dois metros de altura,
por volta de trinta anos pra mais,
tinha uma boa banha na cintura,
dando um aspecto rude demais,
era desajeitado para andar,
pois a gordura judiava do rapaz.
Pelo aspecto físico que tinha,
alguns olhavam meio desconfiado.
Metia medo ao desconhecido,
mas era um pobre coitado.
Nenhum mal lhe era atribuído,
embora fosse forte o danado
Tunico era um matuto nato,
ao nascer trouxe essa herança.
Apesar de ser um homem de fato,
tinha a mente de uma criança.
Passava o dia a andar pelo mato
ou a fazer estripulia na vizinhança.
O pai já não era um rapaz novo,
nem a mãe quando embarrigou
e foi por isso, no dizer do povo,
que o Tunico bobo ficou.
Mas não o tinham como estorvo
e a Deus ninguém culpou.
Pra completar o destino cruel,
assim que o menino nasceu,
ofendido por uma cascavel,
o marido de Sinhana morreu,
foi um gosto amargo de fel,
que aquela família envolveu.
Aquele belo sonho havia ruido,
Sinhana ficou só no mundo,
para cuidar do recém nascido.
Mas não descuidou um só segundo,
pois ver o seu filho crescido,
era seu desejo mais profundo
Ela trabalhava sem lamuria
e nunca se esmoreceu.
Labutou na vida com penúria,
e muitos obstáculos venceu.
Foi mãe e pai com ternura,
até que o menino cresceu.
Depois de alguma resistência,
na escola o Tunico matriculou,
Apesar de muita insistência,
o esforço de nada adiantou,
por causa da sua demência,
pro estudo, Tunico não atinou.
Foi crescendo e se formando,
e cumprindo o seu destino,
sempre pelo bairro perambulando,
aquele grande homem menino,
ora aqui ora acolá, cantarolando,
mas nem pra isso tinha tino.
Servia de chacota as criançada,
e isso pra Tunico era morte.
A mãe as vezes magoada,
até que tentava ser forte,
mas não podendo fazer nada,
era se conformar com a sorte.
As vezes, num suspiro aliviado,
exclamava a pobre mulher:
___ esta é a herança do finado,
seja lá o que Deus quiser!
Agora é tocar o barco pro lado,
de onde o vento que vier!
Dizem que todo especial,
traz na alma muita pureza,
assim Tunico passava o dia
a observar as coisas da natureza.
Entretendo com as coisas que via,
no seu mundo de nobre pobreza.
Lá no mato não havia intrigas,
e ele nunca ficava sozinho,
vivia a conversar com a formigas,
com as borboletas e os passarinhos,
eram todos seus amigos e amigas,
que lhes tratava com muito carinho.
Certo dia apareceu sorridente,
com o que acabara de ganhar,
dizendo ter recebido de presente,
um versinho pra poder despicar,
nas crianças negras do bairro,
quando viessem lhe insultar.
" ___ O anu é um, pássaro preto
que tem o bico rombudo,
é sinal que Deus deixou,
pra todo negro ser beiçudo!"
__ Tunico Pinico! Tunico pinico!
O insulto que o deixava irritado,
vivendo as turras com a criançadas,
por isso o presente recebido,
todo dia, por ele era declamado,
tanto que ficou muito conhecido,
pelos moradores do povoado.
Mas foi numa belo noite,
numa tradicional festa junina,
quando o Tunico por la apareceu,
chegando sempre na surdina,
foi então que aconteceu,
o causo que agora descortina.
Estava um frio de fazer dó,
o Tunico, agasalhado como podia,
com os pés descalços e de paletó,
uma gravata no pescoço enrolada,
por fivela da cinta tinha um nó,
que prendia a calça arregaçada.
Estava uma figura o Tunico,
quando chegou todo lampeiro.
Logo recebeu as boas vindas,
de Seu Custódio e do festeiro.
O que deixou o homem menino,
mais alegre e mais faceiro
Custódio pra que não sabe,
era um idoso homem de cor,
muito conhecido na redondeza,
por ser um grande benzedor,
muito querido por esta presteza
e por ser alegre e proseador.
Tanto que a beira da fogueira,
se ajuntou uma rapaziada,
para ouvirem os seus causos,
e quando a prosa era encerrada,
até lhes rendia alguns aplausos,
além de forte gargalhada.
Vendo o Tunico chegar,
Com o seu trejeito a ressabiado,
logo pediram para recitar o verso,
só pra ver o rapaz embaraçado
e sentindo o centro do universo,
ele não percebeu o laço armado.
___ O anu é um passô preto...
De repente Tunico emudeceu,
para Custodio a sua frente olhou,
e algo errado então percebeu,
baixou a cabeça, se esquivou
e na escuridão, desapareceu.
Era o desfecho que esperavam,
todos caíram na gargalhada,
Custodio com muita sabedoria,
não deu uma só risada,
deixou passar aquela da euforia,
e depois deu um lição na moçada.
___ O Tunico é um rapaz demente
e o pobre não sabe de nada,
mas não cabe em minha mente,
jovens de educação tão libada,
ficarem alegre e contente
com uma cena tão ultrajada.
Depois de muitos anos vividos,
jamais pensei ver tal situação,
e vocês que são tão sabidos
e dizem fazer uso da sã razão,
deveriam estar arrependidos
e de joelhos pedir perdão,
Sou negro mas não sou bobo,
percebi o que queriam de fato,
pra ver o Tunico embaraçado,
provocaram todo este maltrato,
e foi muito bem direcionado,
a este velho negro, o desacato.
Pois saibam que a cor da pele,
é o que tem menos valor
pois todos os nossos pensamentos,
deve se basear no respeito e no amor,
que é o maior dos ensinamentos,
de Jesus Cristo, Nosso Senhor.
Com o pito muito bem merecido,
um a um devagar foram saindo
de cabeça baixa e desenxabido,
se espalharam pelo terreiro,
cientes do grande erro cometido,
com Seu Custodio e o festeiro
Depois do instante constrangedor,
com alegria, a festa continuou
como se nada tivesse acontecido
e até o pobre Tunico, voltou,
reaparecendo depois de sumido.
O ninguém mais o perturbou.