A Herança Que Meu Pai Deixou !
Quando meu pai morreu
Deixou pra mim como herança
Minha pobre mãe doente
Doze irmãos ainda criança.
Deixou a conta da venda
Da farmácia e do leiteiro
O aluguel bem atrasado
E nem sinal de dinheiro.
Lá num canto da parede
Deixou também a enxada
Sem o cabo, sem a cunha,
Velha, torta, enferrujada.
Deixou um par de botinas
Recheada de chulé
Bem velha, toda furada
E bem maior que meu pé
Deixou um paletó xadrez
Com os bolsos esburacados
Os braços muito compridos
Muito velho e desbotado.
No quintal um galinheiro
Sem se quer uma galinha
Todas as varas já podres
Serventia ele não tinha.
Deixou uma soca - soca
Mas não deixou munição
Ave pra caçar se tinha
Mas não se pega de mão.
Deixou uma velha rede
Sem corda pra pendurar
Já puída e quase pobre
Virou pano de limpar.
Deixou seu currimboque
Com um resto de rapé
Um cachimbo de imburana
Um cabo velho de colher.
Um frasco de brilhantina
Daquela compradas em feira
Que quando se usa a danada
Se fede mais do que cheira.
Deixou três colchões de capim
Aonde estendidos no chão
Dormiam todos da família
No meio uns quatro mijão.
Deixou um chapéu sem fundo
Guardado atrás lá da porta
Que ele usava vez em quando
Para ir trabalhar na horta.
No roçado nada ficou
Nem mesmo um pé de feijão
No poço não tinha água
Na cozinha nem fogão.
A porta ficou sem trinco
A dobradiça encrencada
A janela há muito tempo
Já se encontrava quebrada.
No caixote da cozinha
Que era pra guarda comida
Uma garrafa de pinga
Lá no cantinho escondida.
Deixou também uma calça
Com dois buracos na bunda
Amarrotada , encardida
Dava nojo, tava imunda.
As cuecas que deixou
Num canto cheia de bicho
Não deu pra se aproveitar
Tiveram que ir para o lixo.
Também deixou um cachorro
Por nós chamado tostão
Que já não tinha morrido
Porque o bicho era um cão.
Um monte de couro e osso
Que dava dó se olhar
Tinha tanto carrapato
E já não podia andar.
Mesmo assim o pobrezinho
Se alegrava ao me ver
Mas durou pouco o coitado
Não se vive sem comer.
Quatro gaiolas quebradas
Sem qualquer utilidade
U ma carteira sem cédulas
E outra de identidade.
Um violão que não tocava
Faltando as cordas também
Eu quis vender o danado
Não encontrei um vintém.
Depois de feito o inventario
Não resto-me outra saída
Fui trabalhar num roçado
Pra poder comprar comida.
Eu era ainda pequeno
Pouco mais que uma criança
Mas dei duro o tempo todo
Cultivei minha esperança.
Fazendo suas meizinhas
Tomando sempre seu chá
Com compressa ou ungüento
Mamãe começou sarar .
Com o tempo ficou curada
Bem mais feliz e bonita
Voltou a freqüentar missa
Comprou vestido de chita.
Com seu José Malaquias
Arrumou um trabalhinho
Pra limpar e arrumar
Do velho seu armarinho.
Não tardou pra namorar
Um moço trabalhador
E poucos meses depois
com ele ela casou .
Meus irmãos foram à escola
Pra aprender o bê a bá
Comiam três vezes ao dia
Começaram a engordar.
A coisa foi clareando
O passado ficou distante
Eu trabalhava de dia
Á noite eu era estudante .
Pra construir nossa casa
Compramos um taco de chão
Depois da casa prontinha
Começamos a arrumação.
Veio camas pra meninada
Com cobertor e colchão
Pra sala mesa e cadeira
Pra cozinha um bom fogão.
Pintamos a casa de verde
Sinal da nossa esperança
Foi indo embora a miséria
E veio chegando a bonança.
Logo alguns dos irmãos
Começaram a trabalhar
Eu que já era um rapaz
Comece a namorar.
Cozinhado varrendo a casa
Lavando roupa ou passado
Minha mãe já não chorava
Só trabalhava cantando.
E assim o tempo foi
Tecendo a nosso favor
Ninguém sentia saudade
Do tempo ruim que passou.
Entrei numa faculdade
Pra ser um advogado
Terminei o curso ontem
Hoje eu estou formado.
Penso e chego à conclusão
Meu velho não foi tão mau
Saindo das nossas vidas
Mudou o rumo da nau.
Não deu pra ver isso antes
Mas sua partida nos ajudou
A morte do velho Pedro
Foi obra do criador.
Saímos de um mar revolto
Entramos num mar de calma
Agradecemos por isso
Rezamos por sua alma
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