A MOÇA DO CORETO
Amigos prestem atenção
Na história que vou contar:
Cem anos já se passaram
Sob o sol, sob o luar,
Quantos casais se encontraram,
Amores que começaram
No palco desse lugar!
É uma história de amor,
De sentimento tenaz,
Que aconteceu co'um doutor
Chamado Luiz Ferraz
E uma jovem camponesa,
Detentora da beleza
Que encanta qualquer rapaz!
A moça Rosa Maria
Vivia sempre a cantar,
Era somente alegria
Desde cedo, ao levantar.
Ela morava na roça,
Com seu pai, numa palhoça,
Lá no Engenho Juruá.
Seu sorriso encantador
Deslumbrava quem lhe via,
Parecia o esplendor
Do sol clareando o dia.
Seu sorriso era tão belo,
Quem visse sentia um elo
De paz, amor e alegria!
Rosa Maria era a rosa
Que todos queriam, sim!
Das flores a mais cheirosa,
Mais bonita do jardim.
Com sua voz suave, mansa,
Com seus cabelos de trança,
Com seu sorriso sem fim!...
Os seus olhos miudinhos,
Cor das penas do azulão,
Deixavam qualquer rapaz
Maluquinho de paixão;
Mas ninguém se atrevia
Namorar Rosa Maria
Com medo de Seu João!
De Seu João Trovador,
Que morava no Pilar,
Um pequeno agricultor
Lá do Engenho Juruá;
Um camponês tão pacato,
Mas que onça braba do mato
Tinha coragem de agarrar!...
Até que um dia seu patrão,
Mandou vir lhe convidar,
Através de seu pião
Pra também participar,
Naquele dia da semana,
Duma festa em Itabaiana,
A praça era o lugar.
Seria uma grande festa
E ninguém podia faltar;
Ele iria com todo mundo
Pro coreto inaugurar.
Era um coreto inglês
Que Nô Borges foi quem fez
Para o povo recrear.
Na Praça Manoel Joaquim
De Araújo é que ele está,
Foi lá que o prefeito, enfim,
Fez obra espetacular.
A cidade estava em festa,
Pois tinha até uma orquestra
Que iria se apresentar!
Todavia João Trovador,
Um copo d'água a beber,
Se aliviando do calor,
Não quis da festa saber;
Entretanto Rosa Maria
Falou com sua voz macia:
“Meu paizim, me deixe ir ver”.
Rosa Maria tão pura,
Por pedir tão gentilmente,
Fez o pai sentir brandura
Mudar o pensar da mente:
“Tá certo, Rosa Maria.
Agora se apronte. Avia!
Quero já seguir em frente”.
“Num quero atrasar de mais,
Pois vamo andar um bucado.
Cê só num olhe prus rapaz,
Fique sempre do meu lado.
Quem na festa se enxerir
Quereno prosiá com ti,
Mostro minha cara de brabo!”
Rosa Maria apressou-se
Pra ir pra festa bendita,
Tomou banho, perfumou-se,
Vestiu vestido de chita,
Calçou sandálias de dedos,
Penteou bem os cabelos
E pôs um laço de fita!...
Parecia uma princesa,
Digo e confirmo a escrita,
Pois de toda a redondeza
Era a moça mais bonita!
Não tinha brincos de ouro,
Anéis, pulseiras, tesouro,
Mas era feliz... era rica!...
Quando o sol ia se por,
Saíram na terra plana,
Ela com João Trovador,
Seu pai que tanto lhe ama;
Para entender mais direito
O que seria o coreto
Da terra de Itabaiana.
Beirando o Rio Paraíba,
Seguiram caminho afora,
Atravessaram Galhofas
E Jacaré, sem demora;
Passando em Maracaípe,
O povo disse: “que chique,
A moçinha passando agora!”
De repente se avistou
A cidade iluminada,
Rosa Maria suspirou,
Pois estava emocionada
Com tanta coisa que via.
Encheu-se mais de alegria,
Naquela noite encantada!
A rua estava repleta
De gente da região,
Tinha cantador poeta
Fazendo improvisação.
A praça estava enfeitada
E a orquestra estava formada
Pra grande apresentação!
A moça Rosa Maria
Era toda felicidade,
Não pensara naquele dia
Ver tamanha novidade!
Gente chegando aos montões,
Fogos, bandeiras, balões,
Na pracinha da cidade!
Quando o coronel Nô Borges
Começou a discursar,
O seu pai deu uma carreira
Pro discurso escutar,
Pois queria ouvir todinho
Pra depois pro seu vizinho,
Zé Filó, tudo contar!
Mas o olhar da moça, Rosa,
Não era para o prefeito,
Ela estava era encantada
Com a beleza do coreto!
Nunca viu obra tão bela,
Que coisa linda era aquela,
Que monumento perfeito!
Mas no meio da multidão
Havia um belo rapaz,
Filho de Seu Julião,
Um homem rico de mais,
Um fazendeiro abastado,
Que tinha, por todo Estado,
Mui gado e canaviais.
Mas seu filho, Doutor Luiz,
Riqueza não lhe importava,
Queria o mundo feliz,
Aos pobres ele ajudava.
Quem precisasse de ajuda,
Dizendo: “doutor me acuda!”
Até remédio ele dava.
E naquele dia de festa,
Numa noite enluarada,
O povo ouvindo a orquestra
Que fascinante tocava,
Doutor Luiz não sabia
Que a moça Rosa Maria
No meio do povo estava.
O prefeito cortou a fita,
Ao lado de um deputado,
Padre Antonio, água bendita
Salpicou pra todo lado.
U'a girândola subiu,
O povo todo aplaudiu
O coreto, inaugurado!
Do monumento importado,
Aproxima-se o rapaz,
Pelo povo ele é saudado,
O doutor Luiz Ferráz,
Moço simples e educado,
Pelo o povo é abraçado,
Pois é querido de mais.
De repente Rosa Maria
Com seu pai João Trovador,
Encantados co'o coreto
S'esbarraram no doutor!
Que sorrindo diz: "desculpa",
E ela diz: "foi nossa culpa",
Co'a singeleza de u'a flor.
Com seu vestido de chita
Que usava com tanto gosto,
Somente um laço de fita
No cabelo estava posto,
Mas o doutor se encantou,
Jamais no mundo encontrou
Olhos tão belos num rosto!
O doutor olhou profundo
Nos olhos da cor do céu,
Nunca viu em todo mundo
Olhar tão puro e fiel,
Como o da moça morena,
Seu sorriso era um poema
E a voz doce como mel!...
Foi no centro do coreto
Que esse fato aconteceu,
Que a chama do amor, no peito,
De repente se acendeu.
Uma história tão bonita,
Que lembrando a gente fica
De “Julieta e Romeu”!
Depois que a festa acabou
O doutor fez cortesia:
Pediu pra levar em casa
Seu João e Rosa Maria.
Os dois entraram no carro
E naquela estrada de barro
Era só riso, alegria!...
A noite estava de lua,
As 'strelas brilhavam tanto,
A natureza insinua
Uma magia, um encanto;
O amor estava nascendo,
Dois corações aquecendo
Ao brilho dos pirilampos!...
Ao chegar na casa humilde
Fez o carro estacionar,
Abriu a porta pra Rosa
E seu pai, no Juruá.
Ele então, mui decidido,
À Seu João faz um pedido:
“Quero Rosa, namorar!”
Ness'hora João Trovador,
Caprichando bem na rima
Fez um verso de amor
Na noite mais cristalina:
“A rente é pobre, doutô,
Mas co'as bênção do Sinhô
Pode namorar a minina!”
Foi quando Rosa Maria,
Sem sentir os pés no chão,
Viu o amor naquele dia
Adentrar seu coração!
Que ela mesma não sabia
Se chorava ou se sorria,
Tamanha a sua emoção!
Assim começa o namoro
Do doutor e da plebéia,
Uma história tão bonita
Que mexe co'a nossa idéia.
Pois quando o amor 'stá no peito
Vence todo preconceito,
E quem mais sabe é a platéia!
Foi aí que essa notícia
De repente se espalhou,
Uns diziam: “que coisa linda!”
Outros: “doutor endoidou!”
“Como pode um rapaz nobre
Namorar u'a moça pobre?”
“Por certo lhe enfeitiçou!”
Não sabiam que o amor
Quando chega é diferente,
Não importa se é doutor,
Se é mendigo ou presidente.
Quando o amor é verdadeiro
Vence tudo, qual guerreiro,
Destemido, segue em frente!
Mas grande dificuldade
Estavam por enfrentar,
O pai de Doutor Luiz
Não quis namoro aceitar.
Pois o rico fazendeiro
Só pensava que dinheiro
A moça queria tomar!
“Meu filho tome juízo!
Mas que tristeza! que horror!
Paguei estudo em Recife,
Eu lhe fiz ser um doutor
Pra me dá esse desgosto?
Se apaixonar pelo rosto
Da filha dum agricultor!”
O seu pai tentou de tudo
Pro seu filho desistir,
Quanto mais ele tentava,
Mais amor vira a sentir
Pela jovem camponesa,
A flor de maior beleza
E virtudes que havia ali!
Certo dia o fazendeiro
Resolveu falar com Rosa,
Ofereceu-lhe dinheiro
De forma até vantajosa,
Para ela sumir no mundo
E jamais, nem um segundo,
Voltar por ali formosa!
Mas a moça, sem temor,
Respondeu com humildade:
Dinheiro pra mim, doutor,
Não compra a felicidade.
Pois que adianta, senhor,
Viver seco, sem amor,
Sem ser feliz de verdade?
Podes até me matar
Pra acabar nosso namoro,
Mas u'a coisa eu vou falar
Não existe maior tesouro.
Do que amar e ser amado,
Viver juntinho, abraçado...
Isso para mim vale ouro!”
O pai do moço calou-se,
Baixou a cabeça e saiu.
Porque aquelas palavras
Muito profundas sentiu.
Os anos foram passando
E seu filho namorando
A moça que lhe feriu.
Foi marcado o casamento
Para uma noite de abril,
O pai chorou de desgosto,
Tamanha raiva sentiu.
“Que coisa triste, meu filho,
Você saiu do meu trilho,
Por essa moça que viu!”
Ele pensou em matá-la,
Mas depois voltou atrás,
Pois certamente a bala
Lhe feriria muito mais;
Pois sentiu no coração
Que nunca teria o perdão
De seu filho Luiz Ferras!
Finalmente chega o dia
Do casamento marcado,
Julião, o pai do noivo,
Estava muito arrasado.
Querendo, de alguma forma,
Mudar lei, mudar a norma,
Ver o casório acabado!
À casa paroquial
Julião foi visitar,
Numa distração do padre
Veja o que foi aprontar:
Vendo perdida a peleja
Rouba a chave da igreja
Pro filho não se casar!
O padre procura a chave
Por todo lugar — e nada!
Resolveu ir para igreja
N’esperança de encontrá-la;
“Quem sabe eu deixei aberta”.
Foi decepção na certa,
A igreja estava fechada!
E no horário marcado
O povo começa a chegar.
Padre Antonio aperreado:
“Essa chave onde é que está?”
Mais convidados chegando,
A hora se aproximando
E ninguém podendo entrar!
O noivo, sem paciência,
Diz: “agora o que será?
Padre tome uma providência
Que eu quero me casar!”
Padre Antonio, sem demora,
Respondeu-lhe: “eu faço agora!
Sob este céu e o luar!”...
“Pois casamento ao ar livre
Eu já fiz muito em Pilar,
Em Serrinha, em São Miguel,
Em Pedras de Fogo e Ingá,
Mas aqui em Itabaiana
Nesta terra tão bacana,
Tá n'hora de começar!”
O noivo então, sorridente,
De repente se acalmou,
Fez um pedido ao vigário
Que prontamente aceitou:
“Faça nosso casamento
Onde o grande sentimento,
A mim e Rosa, encontrou!”
“Lá no palco do coreto,
Na pracinha da cidade,
Que marcou a nossa história,
Trazendo felicidade”.
Disse o padre: “sim senhor,
Pois uma história d'amor
Tem que ser pra eternidade!”
A multidão aplaudiu
A decisão que tomou,
E o povo todo seguiu
Para o local que indicou:
Da calçada da Matriz
Para a praça mais feliz,
Lá onde o Amor começou!
Dr. Luiz de mãos dadas
Com Rosa Maria seguiu
Para o lugar mais bonito
E mais importante que viu.
Onde nu'a noite de festa,
Ouvindo o som da orquestra,
Seu grande amor descobriu!
E Rosa Maria de branco
Subiu os degraus do coreto,
Foi tanta emoção e encanto
Quando ela disse: “eu aceito”;
Quando o noivo tirou o véu
E beijou os lábios de mel
Com todo amor de seu peito!
Termino aqui, com alegria,
O cordel de amor que fiz,
Da moça Rosa Maria
E o jovem Doutor Luiz;
Pra mostrar pro mundo inteiro
Que só um amor verdadeiro
Pode nos fazer FELIZ!
Autor: Antonio Costta